Com os primeiros casos de HIV/AIDS no início dos anos 80 medidas foram tomadas para garantir a qualidade dos suprimentos de sangue. Dentre elas a proibição de homens que tiveram sexo com homens (HSH) de doar sangue foi imediatamente adotada. O questionamento das políticas de restrição à doação de sangue decorre de perspectivas quanto à defesa dos direitos humanos, promoção de igualdade e cidadania e alegação de discriminação. Através de pesquisa bibliográfica buscou-se elucidar o histórico e a evolução da legislação relacionada ao tema até os dias atuais. Atualmente políticas regulatórias para recrutamento e seleção de doadores de sangue foram estabelecidas de modo a minimizar o risco de transmissão de infecções através de transfusão de sangue. Entretanto, com o avanço das tecnologias de análise do sangue e a era NAT, que reduz o período de janela imunológica para detecção de agentes transmissores de doenças infecciosas, questiona-se o adiamento da doação de sangue por esta população. As razões e benefícios para a restrição à doação por HSH vêm sendo questionados por organizações ligadas à comunidade LGTB, desde que, quase quarenta anos após as primeiras legislações, os métodos de triagem avançaram e a possibilidade de contaminação por HIV por transfusão sanguínea é extremamente baixa. Com as novas tecnologias, a detecção de doenças transmissíveis pelo sangue se tornou possível em estágio inicial, o que seria um argumento para a flexibilização da inaptidão da doação de sangue por HSH, desejosos em contribuir para a preparação de desastres e fortalecimento no fornecimento de sangue. No entanto, a persistência de um período de janela imunológica, além da emergência de outras doenças transmitidas pelo sangue desde a descoberta da AIDS, que se demonstraram mais prevalentes nesta população, reforçam o argumento científico para a manutenção das políticas restrição. Os países têm adotado três principais estratégias sobre esta questão: (a) inaptidão permanente após qualquer relação sexual entre homens; (b) inaptidão temporária, entre três meses a dez anos após a última relação sexual entre homens e (c) avaliação de comportamento de risco baseado em critérios, independentemente da opção sexual. O processo para mudanças dessas políticas envolve avaliações, governamentais e externas, das percepções públicas de risco e confiança no sistema do sangue, além da avaliação dos novos riscos gerados por essas alterações. Num histórico muito recente, a pandemia por COVID-19 trouxe desafios muito grandes aos estoques de suprimentos sanguíneos nos Estados Unidos. Diante disso o FDA, baseado em estudos epidemiológicos recentes, onde se verificou que mudanças nos critérios de elegibilidade dos doadores não comprometeria a segurança do sangue, passou a restrição de doação dos HSH de 12 meses para 3 meses a partir de abril de 2020. Em maio de 2020 o Superior Tribunal Federal (STF) brasileiro decidiu, por maioria de votos, derrubar restrições à doação de sangue por homens que fazem sexo com homens. Tornando desta forma as normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) inconstitucionais. Publicada em 08 de julho de 2020, a RDC n° 399 revoga esta restrição em cumprimento à ordem judicial. O desafio ainda é como avançar nos critérios de seleção de doadores e minimizar tempo de restrição, mantendo a segurança do sangue e a confiança das pessoas.