Descrevemos dois casos de pacientes imunodeprimidas que receberam transfusão de hemocomponentes obtidos de doadora de sangue que desenvolveu COVID-19 três dias após realizar a doação de sangue. A doação de sangue ocorreu no dia 03 de março de 2020. Após 4 dias, a doadora apresentou cefaleia, tosse, obstrução nasal e coriza. No dia seguinte, apresentou resultado positivo para SARS-CoV-2, por biologia molecular (PCR), em material de swab de naso/orofaringe. Em seguida informou ao Serviço de Hemoterapia sobre o resultado do exame. Foram realizados testes de PCR e sorologia para SARS-CoV-2 na amostra de sangue do dia da doação que apresentaram resultados negativos. Os concentrados de plaquetas e hemácias foram transfundidos em 2 pacientes distintos (paciente 1 e paciente 2). O plasma foi descartado. Paciente 1: Paciente do sexo feminino, 30 anos, com diagnóstico de leucemia linfóide aguda de células B e submetida a transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) haploidêntico, após tratamento com protocolo GRAAL. A paciente recebeu transfusões frequentes de concentrado de plaquetas de doadores múltiplos por cistite hemorrágica e trombocitopenia. No D+34 a paciente recebeu nova transfusão de concentrado de plaquetas e após 3 dias o serviço de hemoterapia foi notificado que o doador de uma das plaquetas apresentou diagnóstico de COVID-19. A paciente vinha apresentando quadro febril intermitente, sem instabilidade hemodinâmica e 5 dias após essa transfusão de plaquetas da doadora com COVID-19, evoluiu com dispneia seguida de insuficiência respiratória, insuficiência renal com necessidade de intubação orotraqueal. Dois dias após (d+7 pós-transfusão) foi colhido material de swab de naso/orofaringe para PCR e sangue para pesquisa de SARS-CoV-2. Os exames apresentaram resultados negativos e a paciente evoluiu com choque vasogênico refratário e foi a óbito. A hemocultura do sangue periférico evidenciou crescimento de Pseudomonas aeruginosa multi sensível. Após o óbito realizou-se PCR para SARS-CoV-2 em amostra de sangue estocado, com resultado negativo. Paciente 2: Paciente do sexo feminino, 20 anos, com gestação à termo, admitida em trabalho de parto. Após o parto paciente apresentou sangramento, sendo submetida a transfusão de 1 unidade de concentrado de hemácias. O serviço de hemoterapia foi notificado da positividade do teste para COVID-19 da doadora no dia seguinte. Após alta hospitalar a paciente foi convocada para acompanhamento e realização de pesquisa de SARS-CoV-2 em material de swab de naso/orofaringe e sangue. Foram colhidas 3 amostras para realização de PCR e sorologia para SARS-CoV-2, em dias alternados (d+7, d+9 e d+11 pós-transfusão). Também foi coletada amostra de sangue para realização de sorologia e PCR no sangue para SARS-CoV-2 no d+9 pós-transfusão. O PCR dos d+7 e d+11 apresentaram resultados negativos e o do d+9 apresentou resultado inconclusivo. A pesquisa de anticorpos (sorologia IgM/IgG) para SARS-CoV-2 do d+9 apresentou resultado reagente. O PCR do sangue foi negativo. A paciente negou história de sintomas prévios à internação e não apresentou sintomas após a transfusão. Conclusão: Até o presente momento não há descrição na literatura médica da transmissão de SARS-CoV-2 por transfusão. Esses dois casos de transfusão de hemocomponentes de doadora com diagnóstico de COVID-19 após a doação foram realizadas em pacientes com graus diferentes de imunodepressão. Em nenhum dos casos foi possível a demonstração de transmissão do vírus pelas transfusões. Uma das pacientes apresentou soroconversão para SARS-CoV-2, após 9 dias da transfusão, não sendo possível afirmar que houve transmissão pela transfusão.
Informação da revista
Vol. 42. Núm. S2.
Páginas 401 (novembro 2020)
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