
A leucemia promielocítica (LPA) é uma forma de leucemia aguda, caracterizada pela t(15;17) e fusão dos genes PML-RARA. Após a instituição do tratamento adequado, possui altas taxas de cura. O tratamento padrão nos países em desenvolvimento inclui ácido all-transretinoico (ATRA) e antraciclinas, que, apesar de sua eficácia, estão associadas a um risco de cardiotoxicidade.
ObjetivoRelatar uma série de casos de toxicidade cardíaca em pacientes com LPA tratados com protocolo IC APL 2006 disponível pelo Sistema Único de Saúde no período de julho de 2022 a 2024.
Relato dos CasosPaciente 1: Feminino, 32 anos, risco intermediário, hígida, recebendo dose total de 500 mg/m2 de Daunorrubicina e 30 mg/m2 de Mitoxantrone. Evoluiu com disfunção cardíaca com queda da fração de ejeção após quatro meses do término da manutenção. Paciente 2: Masculino, 29 anos, alto risco, hígido, recebendo dose total de 400 mg/m2 de Daunorrubicina e 50 mg/m2 de Mitoxantrone. Evoluiu com perimiocardite durante a fase de indução e disfunção ventricular esquerda (VE), 15 meses após indução. Paciente 3: Feminino, 34 anos, alto risco, hipertensa. Evoluiu com insuficiência cardíaca (IC) e disfunção de VE sete meses após indução. Paciente 4: Masculino, 22 anos, risco intermediário, tabagista. Evoluiu com queda da fração de ejeção e disfunção VE, 15 meses após indução. Paciente 5: Feminino, 52 anos, risco intermediário, hipertensa e obesa. Evoluiu com queda da fração de ejeção e disfunção VE grave após terceira consolidação. Paciente 6: Feminino, 17 anos, risco intermediário, sobrepeso G1. Evoluiu com insuficiência cardíaca grave 5 meses após término da indução.
DiscussãoDurante o período, foram atendidos 19 pacientes com LPA. Destes, 6 pacientes (31,6%) desenvolveram algum grau de cardiotoxicidade durante e/ ou após o tratamento com antraciclina. A taxa de cardiotoxicidade observada está acima da literatura, que documenta uma incidência variando entre 9% e 26%, dependendo da dose cumulativa (400-550 mg/m2) e dos fatores de risco individuais dos pacientes. A cardiotoxicidade pode manifestar-se de várias formas, incluindo disfunção ventricular, insuficiência cardíaca congestiva e arritmias. Os fatores de risco para cardiotoxicidade incluem dose cumulativa de antraciclinas, idade avançada, presença de comorbidadee e predisposição genética. O manejo envolve estratégias preventivas, diagnóstico precoce e tratamento adequado. A monitorização cardíaca regular com ecocardiogramas e biomarcadores, como troponinas e peptídeo natriurético tipo B, é essencial para a detecção precoce de disfunção cardíaca. Além disso, intervenções como o uso de cardioprotetores (por exemplo, dexrazoxano), a modificação de dose e a administração de medicamentos (inibidores enzima conversora de angiotensina, betabloqueadores) têm mostrado eficácia na mitigação dos efeitos cardíacos. Os achados desta série de casos ressaltam a necessidade de vigilância e manejo proativo em pacientes tratados com antraciclinas, inclusive após o término da terapia. Implementar protocolos de monitorização cardíaca mais rigorosos podem ajudar a identificar a cardiotoxicidade em estágios iniciais, permitindo intervenções mais eficazes. Estudos futuros devem focar em identificar biomarcadores e desenvolver terapias que possam prevenir a cardiotoxicidade sem comprometer a eficácia das antraciclinas.
ConclusãoA alta incidência de cardiotoxicidade observada em nossa série sublinha a importância da integração do oncologista e cardiologista na equipe para otimizar a abordagem terapêutica e reduzir o impacto das complicações cardiovasculares, contribuindo para uma melhor qualidade de vida e sobrevida dos pacientes.