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Vol. 46. Núm. S4.
HEMO 2024
Páginas S1196-S1197 (outubro 2024)
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O MAL-ESTAR NA/DA DOENÇA CRÔNICA
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RS Mendes
Fundação Hemominas (FH), Belo Horizonte, MG, Brasil
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Vol. 46. Núm S4

HEMO 2024

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Freud, em “Mal-estar na civilização”(1930[1929]), cita que o ser humano utiliza várias técnicas para afastar o desprazer e evitar o sofrimento. Este ensaio acrescenta uma outra maneira utilizada pelas pessoas ao redor do paciente, com doença crônica que tanto serve para “amortecer”o sofrimento do próprio paciente, quanto para aliviar a angústia que tal paciente desperta nas pessoas ao seu redor. Pois defrontar-se com tal angústia sentida pelo paciente também é angustiante. Diante de tantas dores e crises é comum os pacientes ouvirem de seus familiares, profissionais de saúde, amigos, palavras de “consolo”para suportar o sofrimento. Muitas vezes o sofrimento é tão grande, a cada dia uma nova intercorrência pode surgir, deixando-os paralisados, que, diante do insuportável sofrimento do ser humano, lança-se mão erroneamente de tais palavras de alívio. Muitas vezes o alívio é somente para quem fala e não para quem ouve essas palavras. Geralmente, quem fala, fala de um lugar de saúde ficando numa situação incômoda, ao conviver com pessoas tão marcadas pelo sofrimento como as pessoas com doença crônica. Os “amortecedores”, palavras de consolo que objetivam transmitir ao paciente que ele deve se resignar e moderar suas reivindicações, na tentativa de convencê-los de que existem coisas piores, é a maneira popularmente encontrada de responder ao sofrimento alheio. Esses “amortecedores”de sofrimento, geralmente, dar-se-iam da seguinte maneira: “tem gente que sofre mais que você”; “olhe para trás, tem gente pior que você”. É uma técnica usada para afastar o sofrimento e as frustrações de ter uma constante doença, que resulta, por parte do paciente, em revolta, insatisfação e infelicidade, estando fadadas ao fracasso. Os efeitos suscitados por tais palavras podem ser expressas em frases do seguinte teor: “como sabem o tamanho da minha dor”; “será que existe dor pior que a minha”. Diante de tal angústia, o profissional de saúde não sabe qual atitude tomar. O único recurso que lhe vem à mente são as “falas prontas”, as ideias prontas, anteriormente ouvidas e concebidas. Tal atitude não é exclusiva dos profissionais de saúde; encontramo-la em todo indivíduo, e nas relações mais adversas possíveis, como em todas as relações de perdas (acidentes, mortes) inesperadas. Está-se em contato com a própria limitação e impotência inerente ao ser humano, que logicamente prefere-se esquecer. Entretanto, tal receita de bolo é inadmissível numa abordagem mais rigorosa de qualquer doença crônica; não pode ser considerado nem uma técnica de argumentação, ameaça ou convencimento, mesmo que isso fosse, por acaso, considerado útil. Qualquer forma de aproximação, nestes casos, constitui um modo de cooptar o paciente, de implicá-lo, melhor dizendo, de convidá-lo a dizer-se e com isto nomear os sentimentos que a doença crônica desperta. É interessante considerar que a visualização de tal angústia produz, consciente ou inconscientemente, em cadeia, uma angústia em quem a presencia. Isso demarca a impotência do ser humano e sua característica fundamentalmente falível. Dito de outra forma, “a natureza, por dotar os indivíduos com atributos físicos e capacidades mentais extremamente desiguais, introduziu injustiças contra as quais não há remédio”(FREUD, 1987[1930(1929)], v. XXI, p. 135, nota 1). Injustiças que denunciam a limitação, a impotência, o não entendimento de tamanha desigualdade e o porquê de alguns serem fadados a um enorme sofrimento e outros não.

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Hematology, Transfusion and Cell Therapy
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