
A Leucemia Promielocítica Aguda (LPA) é o subtipo de leucemia definida por alterações cromossômicas no lócus gênico do Receptor Alfa do Ácido Retinóico (RARα), geralmente por translocação entre os cromossomos 5 e 17, que resulta na fusão dos genes PML e RARA e consequente bloqueio da diferenciação mielóide. O Sarcoma Granulocítico (SG) é um tumor sólido extramedular composto por mieloblastos, que pode preceder ou ser concomitante à Leucemia Mieloide Aguda (LMA). Quando presente, é considerado marcador de mau prognóstico. Entretanto, essa relação é menos clara quando se trata da associação do SG com a LPA, pois a manifestação é pouco frequente. O presente relato tem como intuito descrever uma série de dois casos de sarcoma granulocítico como manifestação da LPA e debater as particularidades diagnósticas e consequências dessa associação. Caso 1: Paciente feminina, 20 anos, com quadro de dor abdominal aguda, tomografia com espessamento das paredes intestinais e antecedente pessoal de LPA na infância, tratado com protocolo italiano AEIOP em 2016. Hemograma evidenciou anemia, leucocitose e plaquetopenia. Estudo de medula demonstrou 91% de blastos com cromatina frouxa, núcleo em halteres e intensa granulação. Imunofenotipagem demonstrou células positivas para CD45, CD13, CD64, CD33, MPO, CD38, CD123 parcial e CD9, mas negativas para CD11b, CD34, HLA-DR, CD117 e CD71. Cariótipo 46 XX t(15;17)(q24;q21) em 5 das 20 metáfases analisadas. Diante do quadro altamente sugestivo de LPA, foi iniciado Ácido All Transretinóico (ATRA), que resultou em melhora gradual da leucocitose e dos sintomas intestinais, com desaparecimento da imagem abdominal. Foi iniciado protocolo AIDA e paciente segue em tratamento ambulatorial. Caso 2: Paciente feminina, 43 anos, com quadro de dor lombar e sacroilíaca. Lesões líticas difusas nos ossos, evidenciadas em ressonância nuclear magnética. Biópsia da lesão em ilíaco direito revelou infiltração com 100% de células anômalas mielóides. Estudo da medula demonstrou 5,5% de células mieloides anômalas, CD34 negativo, CD13, CD33, MPO, CD117 positivos e HLA-DR parcial. Durante investigação, paciente apresentou leucocitose, com imunofenotipagem de sangue periférico revelando 30% de células CD34 positivas. Frente ao quadro e à morfologia das células, foi optado por iniciar ATRA e coletar exames para confirmação de LPA. As lesões tiveram regressão significativa com tretinoína e os exames citogenéticos foram negativos para LPA. Ainda assim, foi optado por manter protocolo PETHEMA 2017 de alto risco, com PET-CT negativo após consolidação III. Atualmente, foi concluído o primeiro ano de manutenção, sem atividade de doença.
DiscussãoEm ambos os relatos observamos a LPA associada às manifestações mieloproliferativas extramedulares, manifestações mais raras da doença. A apresentação atípica da LPA nos casos dificultou o diagnóstico, o que nos fez relatá-los à comunidade com o intuito de dividir nossas experiências e alertar para o diagnóstico diferencial. Interessantemente, a pesquisa citogenética do segundo caso retornou negativa para PML-RARA, mas a resposta ao protocolo direcionado foi excelente. O resultado negativo é potencialmente justificado pela coleta por FISH ter sido realizada dias após o início da terapia com tretinoína, sendo que estudos da década de 90 demonstraram capacidade do ATRA em induzir, isoladamente, remissão da doença.