HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA doença falciforme é uma condição de alta morbimortalidade e o transplante de medula óssea (TMO) é uma das poucas opções curativas. A seleção de doadores é desafiadora, com poucos doadores totalmente compatíveis e sendo essa população sub-representada nos registros de doadores. Nesse cenário, o TMO haploidêntico, frequentemente realizado com familiares portadores de traço falciforme, torna-se uma alternativa. A falha de enxertia é uma complicação relevante, especialmente se a medula óssea (MO) é usada como fonte de células progenitoras hematopoiéticas (CPH). Apesar disso, a RDC 836/2023 (art. 124) restringe a doação de CPH de sangue periférico (CPH-SP) por doadores com traço falciforme, devido ao risco teórico de eventos vaso-oclusivos associados ao aumento abrupto de granulócitos induzido por G-CSF. Este trabalho tem como objetivo descrever uma doação de CPH-SP por doadora com traço falciforme, realizada no hospital IBCC.
Descrição do casoHomem, 21 anos, com doença falciforme, submetido a TMO haploidêntico em 2021 com o pai como doador e fonte medula óssea (CPH-MO), evoluindo com falha de enxertia primária. Em 2025, proposto novo TMO, com a mãe como doadora. Pela falha de enxertia prévia, indicou-se, de forma excepcional, o uso de CPH-SP. Considerando a restrição à doação de CPH-SP por doadores com traço, foram solicitados pareceres à ABHH e à ANVISA, ambos favoráveis à coleta com base em evidências de segurança disponíveis na literatura, desde que houvesse justificativa clínica, avaliação médica criteriosa e termo de consentimento específico. A doadora foi considerada apta e orientada quanto aos riscos e particularidades da doação, assinando termo de consentimento específico. Foi realizada mobilização com G-CSF (10 mcg/kg/dia por 5 dias), sem efeitos adversos. A coleta por aférese foi bem-sucedida. A única intercorrência foi um episódio de hipocalcemia sintomática moderada (cãibras e contraturas) ao final da coleta, resolvida com reposição adicional de cálcio. A doadora evoluiu sem outras queixas e apresentou boa recuperação pós-doação.
ConclusãoEstudos prévios (Kang et al., 2002; Panch et al., 2016; De Santis, 2019; Mohrez et al., 2023) mostram que a mobilização e coleta de CPH-SP em indivíduos com traço falciforme é segura, com incidência de eventos adversos semelhante à de doadores sem traço, e tem eficiência adequada. Esses dados, somados à dificuldade na seleção de doadores e ao risco aumentado de falha de enxertia com o uso exclusivo de CPH-MO, reforçam o benefício do CPH-SP nesse grupo. A doação de CPH-MO, por ser cirúrgica, com anestesia e múltiplas perfurações ósseas, é mais invasiva e de recuperação mais lenta. Para o doador, desde que segura, a aférese representa alternativa menos invasiva, com menor morbidade e recuperação mais rápida. Em nosso caso, a coleta foi bem-sucedida e sem eventos adversos relacionados ao traço. Para respaldo jurídico, diante da restrição normativa, obtivemos pareceres favoráveis das autoridades competentes e termo de consentimento específico. Este relato reforça que a coleta de CPH-SP de doadores com traço falciforme pode ser realizada com segurança, desde que haja justificativa clínica, avaliação criteriosa, consentimento específico e respaldo institucional. Diante do cenário atual de restrições normativas, este caso pode contribuir para a revisão crítica da RDC vigente, ampliando o acesso a estratégias mais eficazes para o TMO em pacientes com doença falciforme.




