
A leucemia mieloide crônica (LMC) é uma doença mieloproliferativa caracterizada pela translocação entre os cromossomos 9 e 22, que resulta na formação do oncogene BCR-ABL. Corresponde a cerca de 10 a 15% das leucemias em adultos. O adenocarcinoma gástrico é o tipo histológico mais predominante entre as neoplasias gástricas é 5ª. neoplasia mais comum no mundo. A associação de múltiplas malignidades primárias é um fenômeno raro e apresenta uma prevalência que está entre 0,7% a 11,7%. Entre uma malignidade hematológica, como a LMC, e um tumor sólido maligno é ainda mais rara. Embora sejam conhecidos alguns fatores de risco para neoplasias concomitantes, como predisposição genética, tabagismo, imunossupressão, quimioterapia, radioterapia e idade, sua fisiopatologia ainda não é bem esclarecida.
ObjetivosRelacionar os sintomas do paciente com o uso de imatinibe e alertar para a possibilidade de outras causas como a segunda neoplasia descrita.
Materiais e métodosAvaliação dos dados contidos no prontuário do paciente.
Relato de casoA.C.B, 64 anos, masculino, branco, casado. Em novembro de 2008, durante a realização de exames de rotina, foi diagnosticado com LMC. Medula óssea hipercelular, relação G:E de 8,5/1, cariótipo com t(9;22). Tratado inicialmente com hydroxiureia e em seguida com Imatinibe 400 mg/dia. Obteve resposta molecular de 4 log com pouca toxicidade como leve astenia, alterações nos hábitos alimentares e formigamentos nos mmss. Não apresentou nenhuma toxicidade hematológica. No início de 2022 relatou episódios de náuseas, vômitos, perda ponderal importante e dor epigástrica. Suspeitado de toxicidade do imatinibe, mas solicitada endoscopia digestiva alta. Realizada em 03/2022 mostrou lesão ulcerada em cárdia (2-3cm). Diagnosticado adenocarcinoma moderadamente diferenciado confirmado por imuno-histoquímica (oncogene HER 2 negativo). Imagem abdominal mostrou múltiplos nódulos hepáticos e nódulo em adrenal esquerda. Iniciado tratamento quimioterápico com oxaliplatina e capecitabina e mantido imatinibe com boa resposta, mas necessitando de transfusões sanguíneas devido a sangramentos do aparelho digestivo.
DiscussãoA LMC tem excelente controle com os inibidores de tirosino quinase (ITK) com toxicidade manejável na maioria dos casos. Alguns pacientes apresentam queixas gastrointestinais com náuseas e vômitos e eventualmente até perda de peso. Frente a um paciente com LMC, em remissão molecular com Imatinibe, que apresentava náuseas, vômitos, emagrecimento e dor epigástrica, poderia-se atribuir o quadro a efeitos colaterais do ITK. Entretanto, como a doença estava em remissão, sem eventos adversos há anos, tornava-se necessário investigar outras causas. O adenocarcinoma gástrico, mais prevalente tipo de câncer gástrico, foi diagnosticado. Podendo ser apenas coincidência, a concomitância das duas doenças está presente na literatura. Em estudo envolvendo 674 pacientes com malignidade hematológica, observou-se neoplasias de estômago, mama e esôfago em 8,3% destes. Outro estudo encontrou a presença de 11 casos (2,1%) de dupla malignidade em uma amostra de 528 pacientes com LMC. Pesquisa realizada no Japão relatou a presença de 8 casos de adenocarcinoma gástrico associado à LMC. Embora não exista relação causal confirmada entre as duas patologias, elas podem ocorrer concomitantemente e devem ser pensadas quando a clínica sugerir isso.