O termo doença falciforme engloba um grupo de anemias hemolíticas hereditárias que têm em comum a presença de hemoglobina S dentro da hemácia, provocando oclusão da microcirculação com isquemia e o infarto tecidual, resultando em lesão orgânica crônica e em crises dolorosas agudas, que são as manifestações mais típicas das doenças falciformes. Representa a enfermidade hereditária mais prevalente no mundo. As doenças crônicas interferem na capacidade dos pacientes executarem suas atividades diárias, podendo provocar invalidez temporária ou permanente, bem como prejuízos irreversíveis no funcionamento de diversos órgãos, causando impedimento para o trabalho e levando à diminuição da qualidade de vida (QV). O termo qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), além de descrever a QV de uma população específica, também examina o impacto das doenças ou das intervenções em saúde sobre a QV, tendo surgido com o incremento da sobrevida e da prevalência das doenças crônicas.

Avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes com doença falciforme em uso de crizanlizumabe em comparação aos pacientes que não usam, atendidos em dois hospitais do Nordeste brasileiro, no ano de 2022.

Estudo de caso-controle realizado com dois grupos de pacientes com doença falciforme e idade acima de 18 anos: a) Grupo Caso: Uso de crizanlizumabe há dois anos; b) Grupo Controle (CT): Não faz uso de crizanlizumabe. A QV dos pacientes foi analisada através do questionário WHOQOL-bref, que é constituído por quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. Na análise estatística foi realizado o teste t de Student, Mann-Whitney e Shapiro-Wilk. O projeto foi aprovado pelo CEP-HEMOPE, parecer n.5.481.178.

Foram avaliados 38 pacientes: Caso n = 18 (2 recusas) e CT n = 20. 1. Variáveis sociodemográficas: A maioria era do sexo feminino 27 (71%), adultos jovens, média de idade 33,2 (20-58), cor parda 24 (63%), solteira 26 (68%) e tinha genótipo HbSS 31 (81%). Verificou-se que no grupo Caso, a maioria estava trabalhando 7 (38,9%) e estudava 4 (22,2); não recebia benefício 11 (61%); tinha ensino superior completo 7 (38,9%); renda familiar acima de 3 salários-mínimos 7 (38,9%). Entretanto no grupo CT, a maioria estava desempregada 12 (60%); recebia benefício 14 (70%); estudou até 2ºgrau completo 13 (65%) e recebia apenas ≤ 1 salário-mínimo 15 (75%). 2.Qualidade de Vida: Constatou-se melhor qualidade de vida no grupo Caso (73,88 ± 17,19) vs.CT (59,5 ± 11,9; p = 0,006), e em todos os domínios analisados: ‘Físico’ (Caso 64,27 ± 15,25 vs.CT 58,28 ± 14,10); ‘Relações sociais’ (Caso 71,48 ± 21,78 vs. CT 64,33 ± 20,09); ‘Meio ambiente’ (Caso 75,83 ± 14,29 vs.CT 70 ± 11,49) e ‘Psicológico ’ (Caso 75,93 ± 13,32 vs. CT 72,56 ± 13,55). Os domínios ‘Físico’ e ‘Relações sociais’ foram os mais afetados.

O crizanlizumabe é um anticorpo monoclonal seletivo IgG2 kappa que se liga à P-selectina com alta afinidade e bloqueia as interações com seus ligantes impedindo adesão celular, contribuindo para reestabelecimento do fluxo sanguíneo microvascular, diminuindo as crises vaso-oclusivas e no aumento do tempo médio entre primeira e segunda crise; sendo indicado para a prevenção de crises vaso-oclusivas em pacientes acima de 16 anos. Entretanto, vale salientar, que o medicamento ainda não é distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.

Verificou-se que o grupo Caso, que fez uso da medicação, apresentou melhor condição socioeconômica, educacional e maior escore total de qualidade de vida e em todos os domínios analisados.