HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA vasculite associada a anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (VAA-ANCA) é inflamação vascular sistêmica usualmente autoimune, mas pode ocorrer como síndrome paraneoplásica, especialmente em neoplasias hematológicas. A associação com mieloma múltiplo (MM) é rara. A patogênese mais provável envolve resposta autoimune mediada por imunoglobulinas monoclonais. O diagnóstico é desafiador, pois pode mimetizar infecções ou vasculites primárias.
Descrição do casoHomem, 72 anos, hipertenso, com infarto e revascularização do miocárdio prévios e fibrilação atrial crônica. Em janeiro de 2025, detectou-se componente monoclonal IgG kappa (0,69 g/dL) em exame de rotina. Imunofixação sérica positiva IgG Kappa, relação kappa/lambda 2,03 mg/L, IgG 1.769 mg/dL e ausência de proteinúria de Bence-Jones. Naquele momento assintomático, não preenchia critérios para mieloma múltiplo. Em junho de 2025, internou por broncopneumonia. Duas semanas após a alta, apresentou febre persistente, adinamia, inapetência e tosse produtiva. Exames admissionais evidenciaram anemia (Hb 9,8 g/dL) e injúria renal aguda. Evoluiu rapidamente com fraqueza muscular apendicular, dispneia e piora da função renal, culminando em hemodiálise e suporte vasoativo. Tomografia de tórax revelou opacidades difusas em vidro fosco e bronquiectasias. Avaliação imunológica confirmou p-ANCA positivo com anti-MPO reagente, firmando o diagnóstico de vasculite ANCA-associada com síndrome pulmão-rim. Nova avaliação hematológica evidenciava componente monoclonal 0,57 g/dL (IgG Kappa), mielograma com 9,6% plasmócitos, imunofenotipagem com 0,66% plasmócitos clonais (CD38+++/CD138+/CD56+/CD19−) e biópsia medular com 10% de infiltração plasmocitária. β2-microglobulina 13,14 mg/L, estudo esquelético sem lesões líticas; confirmando diagnóstico de mieloma múltiplo ISS III. Iniciou pulsoterapia com metilprednisolona, come excelente resposta: estabilização hemodinâmica, melhora ventilatória, força muscular e recuperação da função renal, com suspensão da diálise. Ainda internado, iniciou protocolo MAIA (daratumumabe, lenalidomida e dexametasona). Recebeu alta em bom estado, mantendo tratamento ambulatorial com boa tolerância e melhora contínua da função renal e força muscular.
ConclusãoEste caso ilustra a rara associação entre mieloma múltiplo e vasculite ANCA, onde a manifestação paraneoplásica precedeu o diagnóstico definitivo da neoplasia. Neste caso, a síndrome pulmão-rim foi o primeiro indicativo da gamopatia monoclonal maligna. A remissão clínica sustentada após corticoterapia e terapia específica para mieloma múltiplo corrobora para a relação causal. Este relato reforça a necessidade de se considerar e investigar ativamente uma neoplasia hematológica subjacente em pacientes idosos que apresentam um quadro de vasculite ANCA-associada de início súbito e grave. A vasculite ANCA-associada pode representar a manifestação inaugural e clinicamente dominante de um mieloma múltiplo. O reconhecimento precoce desta associação e o tratamento direcionado à neoplasia de base são fundamentais para a remissão da síndrome paraneoplásica, a recuperação de disfunções orgânicas graves e a melhora do prognóstico geral do paciente.




