HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA Síndrome de Fanconi (SF) é uma desordem tubular renal caracterizada por excreção aumentada de substâncias como potássio, fósforo, bicarbonato e glicose. As causas mais comuns são as adquiridas secundárias a medicamentos, mas também pode ser hereditária. A disfunção ocorre prioritariamente no túbulo contorcido proximal, o qual é o principal local de excreção de fármacos e o mais atingido pela toxicidade medicamentosa, impedindo a reabsorção de tais substâncias. Os sintomas são inespecíficos, com fraqueza muscular generalizada, poliúria e polidipsia. O objetivo deste relato de caso é alertar para a possibilidade de desenvolvimento de SF após uso crônico de Deferasirox (DFX).
Descrição do casoCriança, 9-anos, diagnóstico de beta-talassemia dependente de transfusão desde 9-meses de vida, segue em tratamento regular com concentrado de hemácias filtradas e fenotipadas para manter a hemoglobina pré-transfusional ≥ 9,5 g/dL. Iniciou terapia quelante de ferro com DFX aos 2-anos. Aos 3-anos recebeu, durante 10-meses, terapia quelante combinada com desferoxamina e DFX por sobrecarga de ferro hepática moderada (LIC 12,6 mg/g peso seco). Após melhora dessa sobrecarga, voltou a receber monoterapia com DFX, mantendo desde então uma dose média de 20 mg/kg/dia. Em abril de 2025 teve constipação intestinal prolongada, necessitando de lavagem intestinal. Algumas horas depois evoluiu com intensa prostração, olhar vago e retroversão ocular, fraqueza muscular com paralisação de movimentos de membros inferiores e palidez, sem perda de consciência. Exame neurológico normal, apresentou hipertensão (PAS e PAD acima do p95). Manteve PA (130/90‒150/110) e troponina elevadas, além de Síndrome da Encefalopatia Reversível Posterior (PRES) detectada pela ressonância magnética, configurando emergência hipertensiva tratada com nitroprussiato por 48 horas e desmame após a introdução da amlodipina e hidralazina. Doppler urinário mostrou redução bilateral do índice de resistividade das artérias intrarrenais. Os exames de entrada mostraram glicosúria, proteinúria, hipercalciúria e hiperfosfatúria. No sangue apresentou hipofosfatemia, hipouricemia, hipocalemia e acidose metabólica, com cálcio e creatinina normais. Com exceção do quadro hipertensivo, todos esses achados são compatíveis com SF, provavelmente secundária ao uso de DFX, o qual foi suspenso. Tratada com reposição intravenosa de potássio, fósforo e bicarbonato de sódio, os quais foram transicionados para via oral na alta, usados por mais 2-meses e após, retirada progressiva das reposições. Quelação de ferro atual com deferiprona.
ConclusãoOs exames habitualmente realizados para avaliação renal, como taxa de filtração glomerular, creatinina sérica e proteinúria não são os mais adequados para identificação da SF. Constatamos que existe a possibilidade da SF em pacientes que fazem uso de DFX, mesmo com boa quelação e após anos de uso da medicação, como no caso descrito. Dessa forma, sugerimos que um painel metabólico sérico (sódio, potássio, gasometria venosa, cálcio, fósforo e ácido úrico) e urinário (urina I, relação cálcio/creatinina e relação proteína/creatinina) passe a fazer parte da rotina de acompanhamento desses pacientes a cada 4‒6 meses, permitindo diagnóstico precoce da síndrome de Fanconi e tratamento imediato, impedindo consequências graves a longo prazo e desfechos desfavoráveis.
Referências:
- 1.
Yui J, et al. Deferasirox-associated Fanconi syndrome in adult patients with transfusional iron overload. Vox sanguinis. 2021;116(7):793-7.




