HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosMieloma múltiplo (MM) é uma neoplasia maligna das células plasmocitárias, caracterizada pela produção clonal de imunoglobulinas, infiltração da medula óssea por esses plasmócitos clonais e manifestações orgânicas definidoras. A insuficiência renal é observada em quase metade dos pacientes diagnosticados e está associada ao aumento da mortalidade. Os principais mecanismos diretos de lesão renal no contexto do MM incluem: a nefropatia por cilindros de cadeias leves (também conhecida como "rim do mieloma") - em 33% dos casos -, amiloidose AL, 21%, e doença por depósito de imunoglobulina monoclonal, 22%. Nesta última condição, as imunoglobulinas, usualmente leves (e raramente pesadas), depositam-se ao longo da membrana basal, túbulos e vasos. Raríssimos relatos na literatura descrevem casos de gamopatia monoclonal de significado renal (MRGUS) ou MM com comprometimento renal por depósito de IgA, mimetizando a nefropatia por IgA (IgAN). Diferente da IgAN clássica, que envolve depósitos policlonais de IgA, nestes casos, os depósitos são exclusivamente monoclonais, decorrentes da produção de imunoglobulina de clones de células B ou plasmócitos.
Descrição do casoSexo masculino, 54 anos, hipertenso, foi encaminhado para investigação após achado de anemia moderada (Hb 8 g/dL), disfunção renal (creatinina 3,27 mg/dL) e hematúria microscópica durante exame admissional. Assintomático. A eletroforese de proteínas séricas revelou pico monoclonal de 2,12 g/dL. A dosagem imunológica mostrou IgA elevada (2816 mg/dL) com IgG e IgM reduzidas. A imunofixação sérica foi positiva para IgA/lambda. O mielograma demonstrou 34% de plasmócitos e a biópsia de medula óssea evidenciou 80% de infiltração de plasmócitos clonais lambda. O PET-CT mostrou lesão óssea inespecífica em úmero proximal. Cariótipo normal. A pesquisa de vermelho do Congo foi negativa em medula e gordura abdominal. Foi iniciado tratamento para mieloma múltiplo com dois ciclos de VTD (bortezomibe semanal, talidomida e dexametasona). Apesar de melhora parcial da função renal, o paciente manteve creatinina elevada, eritrocitúria persistente e proteinúria subnefrótica (1,0 g/24h), motivando biópsia renal. A análise da biópsia renal mostrou leve a moderada expansão mesangial e proliferação celular. Na imunohistoquímica observou-se positividade (3+/4+) para IgA e cadeia leve lambda em padrão granular, em mesângio e alças capilares; IgG, IgM, C3, kappa e vermelho do Congo foram negativos. O diagnóstico foi, portanto, de “nefropatia por IgA”.A EFP urinária apresentou um pico monoclonal e a imunofixação urinária evidenciou padrão monoclonal IgA/kappa. O protocolo VTD foi mantido, com resposta parcial após sete ciclos; o paciente seguiu em preparo para o transplante autólogo.
ConclusãoApesar do envolvimento das cadeias pesadas de IgA, na variante IgA do MM (15–20% dos casos) a deposição glomerular da imunoglobulina não é usual e a lesão renal principal ainda é por nefropatia por cilindros de cadeias leves. No caso descrito não há evidência de nefropatia por cilindros, mas traz o atípico envolvimento mesangial e vascular, o que é característico da nefropatia por depósito de imunoglobulina monoclonal e nefropatia por IgA. É crucial reconhecer os mecanismos de lesão renal provocados por paraproteína visando assertividade diagnóstica, prognóstica e terapêutica, tendo em vista que a presença da proteína justifica o início do tratamento, mesmo sem outros critérios definidores de doenças hematológicas.




