
Descrever um caso raro de leucemia mieloide aguda (LMA) que apresentou recaída como leucemia aguda de linhagem ambígua (LALA) linfoide B/mieloide.
Relato de casoMasculino, 56 anos, diagnosticado com LMA com inv(16) (p13.1q22) em setembro de 2020. As células blásticas apresentavam o seguinte fenótipo: CD13+, CD33+, CD34+, CD44+, CD96+, CD18 fraco, CD38 fraco, CD45 fraco, CD133 fraco e HLA-DR fraco. A pesquisa de mutação do FLT3 foi negativa. Realizou tratamento de indução com o protocolo D3A7, alcançando remissão citomorfológica (RCM) e doença residual mensurável (DRM) por citometria de fluxo (CMF) negativa. Recebeu 3 ciclos de consolidação com citarabina em altas doses. Três meses após, repetiu-se a avaliação medular, que demonstrou DRM por CMF positiva (0,16% de blastos com fenótipo semelhante ao inicial). Entretanto, a positividade da DRM não foi confirmada após repetição. Em novembro de 2021, o paciente evoluiu com recaída da leucemia. A imunofenotipagem de sangue periférico demonstrou duas populações de blastos: a primeira (55,43% das células) expressava CD13, CD18 fraco, CD19 parcial, CD22 parcial, CD33, CD34, CD38, CD44, CD45 fraco, CD54 forte, CD71, CD81 fraco, cCD79a parcial, CD96, CD97, CD99, CD117, HLA-DR, MPO e nTdT; a segunda (6,30%) expressava CD13, CD18 fraco, CD33, CD38 forte, CD44 fraco, CD45 fraco, CD54, CD71, CD81 fraco, CD96, CD97, CD99, CD117 e MPO, sem expressão de HLA-DR. Portanto, o quadro foi compatível com o diagnóstico de LALA Linfoide B/Mieloide. Novamente, a pesquisa de FLT3 foi negativa. Foi submetido a tratamento de resgate com Dauno-FLAG associado à venetoclax. Após, atingiu RCM, porém manteve baixo nível de DRM positiva (0,11% de blastos), a qual negativou após um ciclo de citarabina em altas doses. Em junho de 2022, realizou transplante alogênico de medula óssea (AloTMO) haploidêntico. O condicionamento proposto foi o CyFluTBI, e a profilaxia de doença do enxerto contra o hospedeiro deu-se com ciclofosfamida no D+3 e D+4, ciclosporina e micofenolato. Apresentou pega medular no D+17. Atualmente, segue em RCM e DRM negativa.
DiscussãoO mecanismo preciso da mudança de linhagem em casos de leucemia aguda é pouco conhecido. Pode surgir de novo clone leucêmico ou advir da alta plasticidade do clone original, em que alterações fenotípicas podem ser observadas com ou sem alterações no genótipo. A LALA é responsável por 2-4% de todos os casos de leucemia aguda e possui um prognóstico adverso. Tradicionalmente, o diagnóstico e classificação é feito através da imunofenotipagem, em que se identifica a expressão de marcadores específicos de linhagem em uma única população blástica ou se encontram duas ou mais populações de linhagens distintas. Recentemente, anormalidades cromossômicas e rearranjos gênicos foram adicionados às definições da Organização Mundial de Saúde (2022). A estratégia terapêutica nesse contexto ainda é tema de debate. Como a duração da resposta é geralmente curta, a maioria dos guidelines indica o AloTMO, independentemente da abordagem inicial.
ConclusãoConversões da linhagem de células leucêmicas durante o curso da doença são raras. A maioria dos dados encontrados na literatura descreve uma mudança de leucemia linfoblástica aguda B para LMA ou vice-versa. Contudo, a mudança de LMA para LALA linfoide B/mieloide parece extremamente rara, o que denota a importância desse relato.