
A Leucemia Mieloide Aguda secundária (sLMA) é caracterizada pelo surgimento posterior a doenças hematológicas, como Síndrome Mielodisplásica (SMD) ou tratamentos oncológicos. Representa cerca de 30% das Leucemias Mieloides Agudas (LMA) e comumente atinge idosos. Apresenta prognóstico reservado e poucas opções de tratamento.
ObjetivoRelatar caso clínico de paciente com LMA secundária à SMD (LMA/SMD) tratado na rede pública com Venetoclax, Azacitidina e transplante de medula óssea (TMO) haploidêntico.
Material e métodosTrata-se de um trabalho retrospectivo com análise de prontuário.
Relato de casoHomem, 67 anos, deu entrada no serviço de onco-hematologia do Complexo Hospitalar de Sorocaba em 04/2020. Hemograma (HMG) inicial com hemoglobina(Hb) 8.9 g/dL, leucócitos(L) 1.500/mm3, Segmentados (Sg) 330/mm3 e plaquetas (PLT) 38.000/mm3. Mielograma com displasia das 3 séries e 38% de mieloblastos. Imunofenotipagem (IF) com CD13, CD33 e MPO positivos (LMA/SMD). Pela idade >60 anos, ecocardiograma com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) de 52% e histórico de cardiopatia, optou-se por iniciar quimioterapia (QT) com Citarabina 20 mg/m2/dia subcutâneo por 7 dias. Essa QT foi mantida por 6 meses (5 ciclos), período com alta demanda transfusional (44 unidades de concentrados de hemácias e 23 unidades de PLT). Em 10/2020 iniciou-se novo esquema terapêutico com Azacitidina 75 mg/m2/dia por 7 dias e em 11/2020 associou-se o Venetoclax 400 mg/dia em Ramp-Up (100 mg-400 mg). Por vezes foi necessário reduzir a dose de Venetoclax para 200mg ou fazer pausas entre os ciclos, por mielotoxicidade. Cerca de 2 meses (01/2021) após início das novas drogas apresentava: Hb 12.8 g/dL, L 1800/mm3, Sg 882/mm3 e PLT 186.000/mm3, mielograma com 2% blastos e IF com DRM indetectável. O paciente manteve-se estável durante o tratamento com Azacitidina e Venetoclax. Como apresentou melhora da FEVE, foi encaminhado para TMO alogênico com o filho doador haploidêntico. Realizado TMO em 10/2021 e até 05/2022 paciente evolui bem com HMG mostrando Hb 15.7 g/dL, L 9.200/mm3, Sg 4876/mm3 e PLT 124.000/mm3, Mielograma com 2.5% de mieloblastos sem displasia e IF com DRM indetectável.
DiscussãoA LMA/SMD frequentemente atinge pacientes idosos, com comorbidades e inelegíveis à QT intensiva, portanto, com prognóstico reservado. Entretanto, a história natural da LMA/SMD vem mudando com o surgimento de novas drogas. O Venetoclax é uma droga inibidora da proteína BCL-2 (B-Cell Lymphoma 2), responsável pela inibição de proteínas pró apoptóticas que propiciam a vitalidade de células neoplásicas. Essa droga, em associação com a Azacitidina, leva à eliminação de blastos leucêmicos por vias apoptóticas, mas tem custos elevados, e não são ofertadas pelo Sistema Público de Saúde brasileiro, o que a torna disponível apenas para pacientes com alto poder aquisitivo ou em casos de judicialização.
ConclusãoO uso de Venetoclax associado à Azacitidina em paciente com LMA/SMD se mostrou eficaz e tolerável. Reduziu a demanda transfusional do paciente, normalizou parâmetros hematológicos e permitiu realização de TMO em paciente com mau prognóstico e inelegível à QT intensiva. Seu elevado custo, porém, dificulta o acesso para pacientes da rede pública, inviabilizando o tratamento de todos os pacientes.