
A incorporação da asparaginase nos protocolos de tratamento da leucemia linfoblástica aguda (LLA) em adultos parece melhorar os desfechos a longo prazo. Na última década, a forma peguilada da droga (PEG) tornou-se a formulação padrão mais utilizada. No Brasil, a PEG foi incorporada há 5 anos, trazendo consigo um perfil de toxicidade específico, onde hepatotoxicidade e tromboembolismo predominam. Redução empírica de dose tem sido recomendada para mitigar a ocorrência de hepatotoxicidade em pacientes de risco, porém o impacto destas medidas ainda não foi avaliado.
ObjetivosDescrever o perfil de toxicidade da PEG no tratamento de pacientes adultos com LLA, visando avaliar o impacto de medidas para reduzir a hepatotoxicidade.
MétodosEste é um estudo transversal retrospectivo em pacientes a partir de 15 anos tratados para LLA ou Leucemia de linhagem ambígua no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) com protocolos contendo PEG entre setembro/2018 e junho/2022. Todos os pacientes receberam ao menos uma dose da droga. Os eventos foram graduados de acordo com o CTCAE versão 5.0. Profilaxia antitrombótica não foi sistematicamente indicada.
ResultadosUm total de 54 pacientes foram incluídos, com idade mediana de 23 anos (15 – 65). A maior parte dos sujeitos tinha LLA B (72%), seguidos pelo fenótipo T (28%). Cromossomo Philadelphia estava presente em 7,4% dos casos. 83% estavam recebendo PEG no tratamento de primeira linha e os demais estavam em terapia de resgate. BFM adaptado foi o protocolo mais utilizado (83%). A dose de 2000 UI/m2 foi a dose mais prescrita (85%), seguida por 1000 UI/m2 (15%). Os pacientes receberam uma mediana de 2 doses cada (1 – 3). Via intravenosa foi utilizada em 70% e a via intramuscular nos demais (30%). Reação infusional leve (< grau 3) foi registrada em um caso. A incidência de tromboembolismo venoso (TEV) foi de 24,1% (IC 95% 13,9 – 37,9), com 46% destes eventos sendo graus 3 ou 4 (membros superiores = 5, membros inferiores = 2, encéfalo = 3, embolia pulmonar = 1 e trombose de cateter = 1). Um evento arterial foi registrado, com isquemia mesentérica. Pancreatite clínica foi encontrada em dois casos (3,7%). Hipofibrinogenemia (<100 mg/dl) foi encontrado em 46,3% dos pacientes. Hepatotoxicidade de qualquer grau foi encontrada em 81,5% dos casos, sendo grau 3 ou 4 em 44,4% (transaminases) e 29.6% (bilirrubina). Análise univariada não demonstrou relação com idade, obesidade, ou dose. 16,6% dos pacientes tiveram que descontinuar a PEG. As variáveis estudadas não foram estatisticamente associadas com trombose ou hepatotoxicidade. Ultrassonografia hepática foi realizada em 66% dos pacientes, encontrando esteatose hepática em 27,7% destes. A esteatose não pareceu influenciar na frequência de hepatotoxicidade (p = 0.72), visto que a maioria recebeu dose reduzida da droga (1000 UI/m2).
ConclusãoNeste estudo de corte transversal envolvendo 54 pacientes adultos com LLA tratados com PEG, foi verificada uma incidência de TEV de 24,4% e de hepatotoxicidade grau 3 de 44,4%. Os dados de toxicidade da PEG na população brasileira parecem estar em consonância com a literatura. A redução empírica de dose em pacientes obesos e/ou com esteatose parece mitigar a ocorrência de hepatotoxicidade, embora os efeitos desta no controle da doença a longo prazo ainda são incertos.