
O traço falciforme (TF) caracteriza indivíduos que apresentam o estado heterozigoto para a hemoglobina S (HbAS). Mesmo considerado uma condição beninga, existem relatos de morte súbita, alterações renais, doença tromboembólica, infarto esplênico e complicações maternas e fetais em seus portadores. Por se tratar de uma condição assintomática os portadores de TF são considerados elegíveis para a doação de sangue. Há algumas restrições quanto ao uso dos concentrados de hemácias (CH) contendo HbS e problemas relacionados ao bloqueio do filtro de leucócitos. O presente estudo é uma revisão de escopo que tem como objetivo avaliar a doação de sangue em portadores de TF e o uso de CH obtidos destas doações.
Material e métodosA revisão foi conduzida a partir das orientações do JBI e da extensão do PRISMA para revisões de escopo (PRISMA-ScR). Os critérios de inclusão para esta revisão seguiram o mnemônico PCC, tendo como população o TF, como conceito a qualidade e restrição do uso de CH, no contexto da doação de sangue. Foram realizadas buscas nas bases de dados PubMed e Embase. Não houve restrição de data, país ou tipo de estudo e o processo de seleção foi realizado por pares.
ResultadosA busca identificou 160 estudos e 35 foram elegíveis para a revisão. Os estudos identificados foram publicados entre 1974 e 2023, a maior parte eram estudos comparativos e transversais, realizados principalmente nos EUA e Brasil. Os artigos selecionados foram agrupados de acordo com seu tema principal em subtemas: prevalência e método (37,1%), impacto da qualidade de CH (31,4%) e filtração/desleucocitação (31,4%). Em prevalência e método os estudos abordaram a prevalência de TF em doadores de sangue e na população geral. No impacto na qualidade de CH foram estudados condições de armazenamento, impactos hematológicos e bioquímicos e reações transfusionais relacionadas a CH coletados de doadores com TF. No subtema filtração foram identificados artigos que verificaram informações de desempenho destes procedimento realizados em CH de dodores com TF.
DiscussãoA maior parte dos doadores de sangue não conhece seu status falciforme e sua prevalência está relacionada a afro-descendência. Não existe consenso sobre testes de triagem laboratorial para triagem de HbS em doadores de sangue. Estudos não recomendam a inaptidão de candidatos com TF, pois pode comprometer o abastecimento de CH com fenótipos raros. Estudos demonstraram alterações físicas e bioquímicas no armazenamento de CH contendo HbS, principalmente relacionados a rigidez das hemácias e episódios de falcização. Problemas na desleucocitação nesta situação estão associados a bloqueio de filtros e resultado final inadequado, além disso fatores como temperatura e tempo de armazenamento, pH, osmolaridade, saturação de oxigênio e tipo de anticoagulante podem interferir neste processo.
ConclusãoForam identificadas lacunas na literatura quanto ao processo da doação de sangue em doadores TF e possíveis eventos adversos e repercussão clínica, assim como restrições do uso de seus CH. Sugerimos estudos que abordem os efeitos da doação de sangue nos portadores de HbS e as possíveis implicações clínicas da transfusão destes CH.