
Cirrose hepática é frequentemente associada com anemia crônica. A patogenia da anemia nesta condição é complexa e multifatorial e incluem, destruição de eritrócitos por hiperesplenismo ou auto-imunidade, supressão da medula óssea, deficiências de vitaminas, sangramentos por plaquetopenia, distúrbios de coagulação e varizes gastro-esofágicas. Anemia hemolítica grave não-imune é um raro fenômeno em pacientes com cirrose hepática e pode estar associada com a presença de spur cells ou acantócitos. Spur cells anemia (SCA) é uma grave patologia em pacientes cirróticos, indicando pobre prognóstico.
Relato do casoFem, br, 2,5 anos, filha única de pais jovens não consanguíneos. Histórico familiar ‒ avô materno com cirrose alcoólica e TxHep aos 50 anos. Com 1 ano foi avaliada no Instituto Boldrini em Campinas ‒ hepato-esplenomegalia, icterícia e anemia. Internada por 8 dias ‒ coleta Biópsia Hepática ‒ recebeu CH e encaminhada ao Grupo de Fígado do HMIMJ. Descorada, icterícia rubínica +3/+4, Fígado a 4 cm RCD, baço a 7 cm RCE. Ex Lab - E 2,24 Hb 7,7 VCM 99,6 Leuco 13.200 neutro 2.750 Plaq 94.000 TGO 85 TGP79 GGT 56 F.Alc 198 BT16.93 BI 13,34 BD 3,59 DHL533. Revisão lâminas de biópsia hepática no HSL – cirrose hepática com intensa atividade inflamatória periportal, fibrose septal com transformação nodular. Exoma – investigação síndromes colestáticas familiares – negativo. Testes para hemólises herdadas negativas e teste coombs D e I negativos. Citologia de eritrócitos em sangue periférico ‒ presença de acantócitos (spur cells). Evoluiu com elevados valores de BT e BI, EPO 4.000, haptoglobina 7,8 e reticulócitos de 3%‒4% e períodos de grandes elevações alcançando 14,8%. Plaq 44.000 a 117.000 Colest 542 TG180 TGO 147 TGP121 GGT58 FA 650 TP 29”u 23 cr 0.3. HD ‒ Cirrose Criptogênica associada à spur cell anemia. Realizou TxHep intervivos com mãe doadora no HSL aos 1,8 anos. Paciente evoluindo com normalização dos parâmetros hepáticos e hematológicos. Em uso de imunossupressão.
DiscussãoAnemia hemolítica por acantócitos ou spurr cells é uma patologia adquirida. Spur cells são eritrócitos com projeções semelhantes a picos ou espículas que variam em largura, comprimento e distribuição. Alterações na forma e flexibilidade induz meia-vida reduzida na circulação por rápida destruição esplênica. A patogenia da SCA envolve mudanças em lipídeos séricos que afetam a composição e fluidez das membranas eritrocitárias. Critérios diagnósticos utilizados em alguns relatos – Hb < 10 g/dL, hemólise, spur cells > 5% em sangue periférico, e excluindo outras causas de anemia. Prevalência da entidade em cirróticos adultos variou de 13% a 31%. A presença de acantócitos ≥ 5%, é forte preditor independente de mortalidade e merece investigação como um indicador prognóstico em pacientes que aguardam transplante hepático. Completa resolução da SCA tem sido relatada após TxHep em todos os estudos e relatos de casos. Este fenômeno pode ser explicado por normalização do metabolismo lipídico.
ConclusãoAvaliação da morfologia dos eritrócitos em sangue periférico de pacientes cirróticos apresentando quadro de anemia hemolítica não-imune adquirida pode representar um diferencial na avaliação desses pacientes. Pode prover informação importante para identificar pacientes com spur cell anemia para configurá-los uma prioridade para transplante hepático e melhorar taxas de sobrevida desses pacientes.