
A síndrome de Bernard-Soulier (SBS) caracteriza-se por um raro distúrbio plaquetário, com prevalência estimada em menos de 1 caso em 1 milhão de nascidos vivos. É uma doença autossômica recessiva com presença de plaquetas gigantes e trombocitopenia. O quadro clínico é caracterizado por sangramento mucocutâneo, porém, pode ocorrer sangramento com risco de vida e necessitar de transfusões de plaquetas. Devido à raridade deste distúrbio, relatou-se o caso clínico de uma paciente com diagnóstico ainda na infância.
Relato de casoPaciente feminino, 6 anos, com história de gengivorragia intensa em setembro de 2023, tendo procurado atendimento médico na sua cidade de origem onde realizou hemograma que evidenciou plaquetas de 49.000/mm³. Nos dias subsequentes, os índices plaquetários estavam ainda mais baixos, chegando a 22.000/mm³. Para melhor investigação do caso e acesso a serviço especializado, foi encaminhada para hospital terciário em Fortaleza - CE. Acompanhante refere também que, desde 1 ano de idade, notou que a criança apresentava episódios frequentes de sangramento em pele e mucosas tanto espontâneos como associados a trauma. Durante a investigação, foram realizados mielograma, sorologias, coagulograma e anticorpos para doenças reumatológicas, que foram todos normais. O quadro de sangramento cessou espontaneamente com conduta expectante. Diante disso, recebeu alta hospitalar com hipótese diagnóstica de trombocitopenia imune (PTI), sendo orientada a manter seguimento ambulatorial. Durante o acompanhamento, realizou hemograma que evidenciou presença de macroplaquetas e, além disso, a equipe médica foi informada sobre haver consanguinidade entre os pais e sobre o histórico paterno de plaquetopenia. Assim, foi aventada hipótese diagnóstica de síndrome de Bernard - Soulier, que foi confirmada por citometria de fluxo do sangue periférico.
DiscussãoA síndrome de Bernard-Soulier é causada por mutações que levam à deficiência do complexo glicoproteico GP-Ib-IX-V na superfície das plaquetas. Esse complexo é crucial para a adesão plaquetária ao endotélio lesado, etapa essencial para a formação do tampão plaquetário. Embora a SBS seja uma doença bem definida, um número significativo de pacientes não é diagnosticado de forma correta precocemente, embora a macrotrombocitopenia seja congênita. Os estudos de agregação plaquetária exibem diminuição na agregação induzida por ristocetina e a avaliação por citometria demonstra a expressão reduzida de CD42b (GPIbα) ou CD42a na superfície plaquetária. As terapias mais frequentemente empregadas são as transfusões de plaquetas em casos mais graves, e a utilização de desmopressina e/ou drogas antifibrinolíticas em casos leves. Por vezes, é necessária a aplicação de fatores e terapias alternativas, seja pela ocorrência de sangramentos intensos ou durante procedimentos cirúrgicos.
ConclusãoDevido a raridade da síndrome de Bernard-Soulier, é importante alertar sobre essa possibilidade diagnóstica entre as etiologias de trombocitopenia a fim de proporcionar um diagnóstico preciso de forma precoce. Isso permitirá a prevenção de sangramentos graves, o preparo do paciente para procedimentos cirúrgicos e o tratamento adequado diante dos quadros hemorrágicos. A formulação de consensos clínicos para o tratamento desta doença ainda é escassa, mas com o maior número de diagnósticos e relatos espera-se a definição de melhores recomendações.