
A hemofilia A é uma das coagulopatias mais comuns e é um distúrbio genético ligado ao X que causa sangramentos importantes. A ausência de histórico familiar positivo para coagulopatias dificulta a suspeição clínica no caso índice. Assim, a busca ativa por casos com anamnese dirigida se mostra fundamental para o diagnóstico precoce e instituição de terapia em tempo hábil, evitando desfechos clínicos desfavoráveis.
Descrição do casoPaciente do sexo masculino, 1 ano, apresentou sangramento oral vultoso após realização de frenectomia. Observou-se intumescimento da musculatura da língua ocasionando exteriorização desta e ocupação de toda a cavidade oral, gerando obstrução da via aérea superior, que evoluiu com insuficiência respiratória e necessidade de Traqueostomia (TQT). Na história clínica, a mãe refere cefalo-hematoma no 1º dia de vida, evoluindo com anemia importante e necessidade de hemotransfusão na maternidade. Recebeu alta hospitalar e iniciou acompanhamento com hematopediatria, apresentando, neste período, coagulograma normal. Perdeu seguimento clínico, porém a mãe refere que o paciente apresentou equimoses espontâneas no primeiro ano de vida e teve episódio de edema importante associado a hematoma em coxa após aplicação de vacina. Negou histórico familiar de distúrbios hemostáticos. Com este quadro clínico, foi solicitado Tempo de Protrombina (TAP), Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA) e Tempo de Sangramento (TS). O primeiro foi normal, o segundo não foi liberado e o terceiro era alargado. Diante do quadro de sangramento, da história de apresentação e dos exames, aventou-se a hipótese de hemofilia A e iniciou-se o tratamento com plasma fresco congelado, concentrado de hemácias e de plaquetas. Antes da TQT o paciente recebeu Fator VIII recombinante e no pós-operatório, por 3 dias. A resposta clínica foi dramática, com cessação imediata do sangramento e posterior regressão do edema. Após 3 dias sem reposição, foi dosado fator VIII (5%) e fechado o diagnóstico de hemofilia A moderada.
DiscussãoEmbora a herança genética seja ligada ao X, em cerca de 30% dos casos decorre de mutação de novo. Frente a um paciente com sangramento, não obstante a ausência de histórico familiar pertinente, deve-se ter alta suspeição para distúrbios hemostáticos, com enfoque nos mais prevalentes, como a hemofilia A, de modo que não haja atraso no diagnóstico e evolução para desfechos desfavoráveis. O quadro clínico das hemofilias é caracterizado por sangramentos em tecidos moles, músculos e articulações, além de sangramentos excessivos durante procedimentos invasivos, bem como sangramentos retardados. Crianças com hemofilia frequentemente têm sangramentos desde o período neonatal (coto umbilical, cefalo-hematoma, equimoses ao engatinhar). A rapidez em se obter o fator necessário também é fundamental para o resultado. Os critérios de inclusão para liberação de fator de reposição propostos pelo Ministério da Saúde dificultam a acessibilidade e o manejo rápido e adequado.
ConclusãoAssim, é necessário educar a população acerca das coagulapatias e sobre o impacto da anamnese com busca ativa no diagnóstico precoce, mesmo quando não há herança familiar prévia. É preciso enfatizar a importância de exames pré-procedimentos contemplando coagulograma e revisar as políticas públicas sobre a distribuição de fator VIIIr nos casos suspeitos, uma vez que a resposta clínica é vultosa.