
As discrepâncias ABO ocorrem quando encontramos reações inesperadas nas tipagens direta e reversa, podendo ser resultado de uma reação positiva extra, fraca ou ausente. A interpretação do tipo ABO deve ser adiada até que a divergência encontrada seja resolvida.
ObjetivoRelatar a importância da resolução de discrepâncias ABO encontradas na rotina imunohematológica de receptores.
Relato de casoPaciente do sexo feminino, 86 anos, sem histórico transfusional neste serviço de Hemoterapia. Diagnosticada com sepse de foco urinária, evoluiu com melena e queda da hemoglobina. Achado endoscópico compatível com hemorragia digestiva aguda. Com Hb:8.4 g/dL e Ht:24.7%, foi solicitado reserva de duas unidades de CH. Os testes imunohematológicos foram realizados na metodologia convencional (tubo) e cartão gel. A fenotipagem ABO da paciente apresentou discrepância. Tipagem direta compatível com grupo A: Anti-A(4+), Anti-B(0) e Anti-AB(4+). Tipagem reversa com grupo O: Hemácia A1(1+) e B(4+). Pesquisa de anticorpos irregulares (PAI) e Teste de antiglobulina humana (TAD) negativos. Autocontrole (AC) negativo. Prova de compatibilidade reativa na fase de centrifugação imediata e a 37ºC, com todas as hemácias de doadores disponíveis do grupo A, inclusive na técnica pré-aquecida. As hemácias da paciente foram submetidas a reações com reagentes de Lectinas, apresentando os seguintes resultados: Lectina Anti-H (2+) e Lectina anti-A1 (0).
DiscussãoOs resultados apresentados demonstram que a paciente possui um subgrupo de A, sugestivo sorologicamente de A2. As hemácias do grupo A que reagem com Anti-A e Anti-A1 são classificadas como A1. Por outro lado, as que reagem com Anti-A e não Anti-A1, como da paciente em questão, são classificadas como A2. A produção dos dois tipos de antígenos (A1 e A2) é resultado de um gene herdado no lócus ABO. A herança de um gene A2, estimula a produção de baixa concentração da enzima transferase, que não converte toda a estrutura precursora H em sítios antigênicos na hemácia A2. Desse modo, o antígeno H fica exposto na membrana da hemácia, reagindo com a Lectina Anti-H. Cerca de 1-8% dos indivíduos A2 produzem de forma natural o anticorpo Anti-A1 no soro. Este anticorpo provavelmente foi a causa da discrepância ABO observada e demonstrou possuir amplitude térmica, uma vez que foi incompatível com todas as combinações cruzadas com células A1, podendo ocasionar reação transfusional.
ConclusãoNenhum resultado de tipagem ABO deverá ser concluído até a resolução das discrepâncias entre a tipagem direta e reversa. Apesar da diminuição quantitativa de sítios antigênicos entre os fenótipos A1 e A2, nem sempre é observado diferença de reatividade na classificação direta com antissoro Anti-A. Para diferenciação desses fenótipos, deve ser utilizado reagentes de Lectina Anti-A1 e AntiH. A prova de compatibilidade é fundamental para detectar anticorpos no soro do receptor, que reagem com os antígenos nas hemácias do doador, porém que não foi detectado na PAI, pois o antígeno correspondente não estava presente nas células de triagem. Geralmente o anticorpo Anti-A1 da classe IgM reage apenas a frio (4º-22ºC), porém devemos ficar atentos se clinicamente significativo, ou seja, apresentar amplitude térmica e ser reativo a 37ºC. Neste caso, para segurança transfusional do paciente devemos optar em transfundir hemácias de grupo O.