
Relatar um caso de Doença de Gaucher Tipo III (DG3) clássica em uma criança e discutir suas manifestações.
Material e métodosrevisão do prontuário médico, registro dos métodos diagnósticos empregados e revisão da literatura.
Relato/ResultadoCriança de 4 anos, sexo feminino, hígida, inicia um quadro respiratório infeccioso, com surgimento de petéquias em periorbitais, bochechas, palato e membros superiores. No pronto atendimento, exames evidenciaram plaquetopenia (95.000/mm3) e prova do laço positiva. Evolui com hepatoesplenomegalia discreta, sem sangramento. Admitida após 3 dias, com plaquetas 53.000/mm3 e ultrassonografia mostrando aumento do baço (13,2 cm - referência para a idade: 9,5 cm). Evoluiu com aumento espontâneo das plaquetas até a alta. Após cerca de um mês apresentou quadro similar de plaquetopenia e hepatoesplenomegalia, sendo descartadas doenças virais por testes sorológicos. Com a suspeita de DG, foi realizada dosagem enzimática e mielograma, com evidências de célula de Gaucher. Foi coletado CentoMetabolic MOx, evidenciando-se 2 variantes patogênicas heterozigotas no gene GBA. Adicionalmente, a concentração do biomarcador liso-Gb1 estava aumentada e a atividade da enzima esfingomielinase ácida estava diminuída. O diagnóstico genético da DG é confirmado: Beta-glucocerebrosidase: < 1 (VR: > 4,1) / Liso GB1: 1250 (VR: < 6,8); especificado como tipo 3. Paciente atualmente em tratamento com alfataliglicerase, sem intercorrências. Além disso, na avaliação oftalmológica, apresenta discreta anisocoria e assimetria de escavações.
DiscussãoA DG é resultado de uma desordem de depósito de glicolipídeos, causada pela deficiência da enzima beta-glicocerebrosidase. Essa deficiência gera o acúmulo do lipídio glicocerebrosídeo no sistema macrocítico-macrofágico, especialmente no fígado, baço e medula óssea. Essa desordem é causada por mutações no gene GBA1, assim como a deficiência na B-glicocerebrosidase. As manifestações da DG3 mesclam o envolvimento visceral do tipo I e o envolvimento neurológico do tipo II, mesmo que esse último seja menos grave, indo de manifestações oculomotoras à extensa degeneração axonal. A paciente apresentou manifestações inicialmente viscerais, também comuns no subtipo. A frequência de manifestações oculomotoras aponta a necessidade da avaliação oftalmológica. A expectativa de vida das crianças com DG3 é favorável, com progressão mais lenta, vivendo até a idade adulta. Os sinais e sintomas da DG se sobrepõem a doenças infantis comuns, sendo incluídas no diferencial doenças associadas à esplenomegalia e citopenia. Deve-se descartar hipóteses virais e malignidade. É recomendada a terapia de reposição enzimática intravenosa (TRE) para todas as crianças e adolescentes com DG1 e DG3 sintomáticos, sendo a TRE o único tratamento aprovado em pediatria. Essa terapia tem bons efeitos na melhora da hepatoesplenomegalia, das anormalidades hematológicas e alterações ósseas, mesmo que seu efeito neuroprotetor não seja alcançado, já que não ultrapassa a barreira hematoencefálica.
ConclusãoA detecção precoce da DG3 é crucial no aumento da sobrevida dos pacientes através do tratamento adequado das manifestações viscerais. Embora ainda não haja tratamento efetivo para o comprometimento neurológico, é fundamental identificar alterações oftalmológicas e minimizar suas repercussões.