
Descrever a experiência de 20 anos do uso da autotransfusão (recuperação intraoperatória de sangue - RIOS) em um hemocentro do Nordeste.
Material e métodosTrata-se de um relato de experiência dos procedimentos de autotransfusão realizados em Fortaleza, do período de 2002 a 2022. Foi realizado uma análise do serviço, com avaliação dos tipos de cirurgias com maior utilização, volume de sangue recuperado e realizado uma correlação do sangue recuperado com bolsas que seriam transfundidas.
ResultadosO Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (HEMOCE) disponibiliza há 20 anos, sem custos aos hospitais, a recuperação intraoperatória de sangue (RIOS), também conhecida como cell saver. O procedimento é indicado em cirurgias com potencial de sangramento. O primeiro procedimento foi realizado em 2001 pelo serviço de transplante hepático do hospital das clínicas. Após esse marco, o serviço foi disponibilizado aos pacientes Testemunhas de Jeová por apresentarem restrição religiosa à transfusão sanguínea. A partir daí, o procedimento foi disponibilizado para outras cirurgias em toda rede do estado. O serviço possui 10 equipamentos locados nos hospitais e uma equipe de enfermeiros 24h/dia. Em 2002 o serviço foi implantado no hospital de referência estadual em cirurgias cardíacas adultas e pediátricas, com uma média de 650 procedimentos por ano e com excelente reaproveitamento sanguíneo, uma média de 413ml de sangue recuperado. Em 2018 o serviço foi implantado no maior hospital de urgência e trauma do estado, sendo o pioneiro no Brasil com o uso dos RIOS em cirurgias de urgência. Nos últimos quatro anos, foram realizados 2.853 procedimentos em cirurgias cardíacas e com recuperação de 1.204.599 mL de sangue, o que equivale a 520.948 de bolsas de sangue que não foram transfundidas.
DiscussãoEm2012, o Comitê Nacional de Transfusão de Sangue do Reino Unido, NHS Blood and Transplant and the Department of Health lançou a iniciativa de gerenciamento de sangue do paciente (Patient Blood Management - PBM) na Inglaterra e no Norte do País de Gales. PBM é uma abordagem multidisciplinar baseada em evidências para o tratamento de pacientes que necessitam de transfusão, o que inclui: otimização pré-operatória da hemoglobina, uso de antifibrinolíticos, cirurgia sem sangue, técnicas de conservação de sangue, e indicações transfusionais baseadas em evidências. Tais pilares, quando implementados, reduzem a necessidade de transfusão alogênica, e a recuperação intraoperatória de sangue está inserida em um dos pilares. A Association of anaesthetists guidelines:cell salvage for peri-operative blood conservation 2018 apoia e encoraja o uso do recuperador celular, recomendando que esteja disponível para uso imediato 24h por dia em qualquer hospital que realize cirurgia onde a perda de sangue seja uma complicação potencial reconhecida.
ConclusãoOs números apresentados evidenciam a importância da RIOS na redução das transfusões alogênicas e dos riscos transfusionais, sendo de extrema importância no gerenciamento do sangue do paciente. Ressalta-se ainda seu papel como ferramenta para gestão dos estoques de concentrados de hemácias dos serviços de hemoterapia.