
As síndromes de microangiopatia trombótica incluem causas primárias e secundárias: infecção sistêmica, hipertensão grave, síndrome HELLP e malignidades. A anemia hemolítica microangiopática associada ao câncer (CA-MAHA) é uma complicação rara e de alta letalidade caracterizada por anemia hemolítica não imune e trombocitopenia. Raramente diagnostica-se doenças malignas a partir de um quadro de anemia hemolítica, apesar de o câncer estar muito associado a distúrbios hematológicos. Descrevemos um caso de anemia hemolítica microangiopática associada a adenocarcinoma gástrico em células de sinete metastático.
Relato de casoHomem, 47 anos, admitido no Hospital das Clínicas de Marilia por tromboembolismo pulmonar (TEP), a princípio associado à recente infecção por COVID-19. Antecedentes: previamente hígido; negava medicações contínuas; referia lombalgia crônica, com uso excessivo de anti-inflamatórios; episódio de dispepsia em 2021, automedicado com melhora. Iniciada enoxaparina, evoluindo com equimoses espontâneas e trombocitopenia. Foi suspensa a medicação sem melhora, seguindo com trombocitopenia progressiva e anemia hemolítica microangiopática (HB 6,5; HT 20; esquizócitos em lâmina; plaquetas 31000; DHL 1002; reticulócitos 17,10% e coombs direto negativo). Questionado púrpura trombocitopênica trombótica (PLASMIC score 5), prescrita imunoglobulina e pulsoterapia com metilprednisolona, enquanto aguardava-se possibilidade de plasmaférese, porém foi refratário ao tratamento, sendo ainda tentado rituximabe. Ao longo da internação, teve piora da dor lombar, com necessidade de doses crescentes de morfina. Ressonância magnética detectou alteração de sinal da medular óssea em toda extensão de coluna cervical a sacral e bacia, sugerindo desordem mieloproliferativa/processo neoplásico. Mielograma afastava neoplasias hematológicas. Durante pulsoterapia, apresentou hemorragia digestiva alta e em endoscopia digestiva viu-se lesão de corpo gástrico semelhante à linite plástica. Biópsia revelou adenocarcinoma de células de sinete, sendo esta a causa da anemia hemolítica microangiopatica. Iniciado quimioterapia, porém evoluiu com rápida deterioração clínica e óbito.
DiscussãoCA-MAHA é uma rara complicação mais associada a tumores em estágio avançado, atribuindo alta morbimortalidade. Relatados casos em neoplasia de mama, próstata, pulmão e estômago, sendo este o sítio mais relacionado. A fisiopatologia permanece incerta, com hipótese do desencadeamento da cascata de coagulação pela mucina liberada pelos tumores e possível associação de mecanismos imunológicos. Em pacientes com câncer metastático, costuma-se observar anemia, trombocitopenia e níveis séricos elevados de lactato e DHL. A investigação diferencial inclui teste de coombs negativo e hemácias fragmentadas no esfregaço de sangue periférico. O diagnóstico da malignidade subjacente é importante e quase sempre feito tardiamente e, mesmo com a quimioterapia, o prognóstico é reservado. Sabe-se que a CA-MAHA é distinta da PTT, SHU e CIVD e, apesar de apresentações clínicas semelhantes, os tratamentos para PTT não são eficazes para essa entidade.
ConclusãoO caso demonstra que, diante de uma anemia hemolítica microangiopática, sobretudo se refratária aos tratamentos e excluídas as causas mais prováveis, deve-se ter uma alta suspeição para tumor sólido, mesmo em pacientes jovens e com clinica pouco expressiva, visto a alta mortalidade associada.