
A Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT) faz parte de um grupo heterogêneo de doenças raras que têm como manifestações cardinais trombocitopenia e anemia hemolítica microangiopática associados a lesão orgânica. Ela ocorre quando existe uma deficiência hereditária ou adquirida de ADAMTS13, levando a um acúmulo de grandes multímeros de von Willebrand. Sua forma adquirida imune (PTTi) corresponde a aproximadamente 95% dos casos de PTT no adulto. Na maioria das vezes, anticorpos inibitórios são detectados durante a fase aguda, mas em poucos casos esses anticorpos podem não ser identificados, sugerindo outros mecanismos mais raros.
ObjetivoDescrever caso de PTTi com anticorpo não inibitório acompanhado no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE).
CasoPaciente de 23 anos, feminina, sem comorbidades, transferida ao HUPE para investigação de bicitopenia aguda (anemia e trombocitopenia). Hemograma com microcitose e hematoscopia com inúmeros esquizócitos. PLASMIC escore: 7 pontos, o que motivou o início de plasmaférese. Retrospectivamente, paciente referia lesões cutâneas vesicobolhosas em regiões fotoexpostas e episódios de artralgia. Após exames demonstrarem complemento sérico consumido, FAN > 1:640, anti-DNA > 1:160, com sedimento urinário nefrítico, fez-se diagnóstico de Lúpus. Paciente iniciou imunossupressão com pulsoterapia de metilprednisolona e ciclofosfamida. Confirmado diagnóstico de PTT após resultado de atividade de ADAMTS13 de 1,2%, porém com título de anticorpos de 0,1 unidades de Bethesda. Solicitado, então, painel genético para avaliação de mutações associadas à forma congênita, que foi negativo. Depois de 12 dias de plasmaférese, apresentou contagem plaquetária e parâmetros de hemólise normais, recrudescendo após infecção por S.aureus. Iniciada antibioticoterapia e retomadas sessões de plasmaférese. Paciente recebeu alta hospitalar em remissão hematológica para seguimento ambulatorial.
DiscussãoNa presença de trombocitopenia e anemia hemolítica microangiopática, a deficiência grave de ADAMTS13, definida por um nível de atividade < 10%, é suficiente para confirmar o diagnóstico de PTT. Na maioria dos casos, o mecanismo para a deficiência enzimática é adquirido por meio de autoanticorpos contra a ADAMTS13. Esses podem ser classificados como inibitórios ou não inibitórios, de acordo com sua capacidade de inibir a atividade da enzima in vitro. Os primeiros são detectados por meio de testes funcionais, que se assemelham ao teste da mistura do tipo Bethesda. Títulos de pelo menos 0,4 a 0,5 são considerados positivos, o que acontece em 67% a 97,8% dos pacientes com PTTi. Já os segundos, ligam-se à enzima e aumentam sua depuração plasmática. Embora não sejam mensuráveis por meio de testes funcionais, podem ser medidos por ELISA ou Western Blot. Nos casos de um teste inibitório negativo, a deficiência grave e persistente de ADAMTS13 justifica o sequenciamento genético, visando avaliar a forma congênita da doença. Se ambos negativos, o mecanismo mais raro de anticorpos não inibitórios se torna o mais provável.
ConclusãoHaja vista poucas descrições em literatura, o relato do caso de PTTi por anticorpos não inibitórios ressalta a importância do diagnóstico diferencial com a PTT congênita. Não há no Brasil teste disponível para detecção de anticorpos não inibitórios e, por esse motivo, é recomendável a realização do teste genético para diferenciar as duas entidades.