
O Torque Teno Vírus (TTV) é um patógeno de distribuição global, altamente presente no viroma humano e pertencente ao gênero Alphatorquevirus e família Anelloviridae. Responsável por infecção crônica em humanos e animais, possui patogenicidade incerta, não há evidência direta ligando o TTV a uma patologia, contudo a infecção é frequentemente associada a diversos grupos de pacientes com doenças hepáticas, renais, respiratórias e infecções pelos Vírus da Hepatite C (HCV) e Vírus da imunodeficiência Humana (HIV). Dentre as vias de transmissão destaca-se a por via parenteral, mas também há transmissão direta e vertical. O presente estudo teve por objetivo descrever a prevalência da coinfecção TTV/HCV em amostras de pacientes atendidos no Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará (Fundação HEMOPA) para pesquisa de HCV.
Material e métodosForam utilizadas 155 amostras de plasma dos pacientes atendidos na Fundação HEMOPA, durante o período de janeiro de 2014 a dezembro de 2020, para detecção de HCV. Para a detecção molecular do TTV foi realizada a extração de DNA pelo kit QIAamp DNA Mini Kit (QIAGEN), seguida da Reação em Cadeia da Polimerase em tempo real (qPCR) pelo ensaio TaqMan® (Applied Biosystems). O resultado da testagem para HCV, diagnóstico do paciente e os dados epidemiológicos foram provenientes do banco de dados da Fundação HEMOPA, sendo os pacientes agrupados em portadores de doenças hematológicas (Coagulopatias, doença falciforme, talassemia, anemias, esferocitose hereditária, púrpura trombocitopênica idiopática, síndrome mielodisplásica), pacientes com doenças não hematológicas, e pacientes com condições clínicas (plaquetopenia, cirrose hepática, leucopenia, hiperferritinemia). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob o parecer 5249573.
ResultadosDentre as 155 amostras, 91,6% (142/155) foram detectáveis para TTV, sendo que a coinfecção TTV/HCV obteve uma prevalência de 47,7% (74/155), em homens 63,5% (47/74) e mulheres 36,5 % (27/74), e idade entre 15-78 anos (50,3 ± 14,79). A coinfecção foi observada predominantemente em pacientes com doenças hematológicas 66,2% (49/74) em comparação aos pacientes com doenças não hematológicas 12,8% (9/74) e condições clínicas 9,4% (7/74).
DiscussãoA alta frequência do TTV é coerente com o status de vírus cosmopolita e amplamente presente no viroma humano. A coinfecção TTV/ HCV reacende o debate que pacientes infectados pelo HCV são frequentemente infectados pelo TTV e retoma o histórico do TTV, identificado pela primeira vez em um paciente com hepatite pós transfusional aguda, após transfusão de hemocomponentes. Devido a Fundação HEMOPA prestar serviço a pacientes hematológicos e estes frequentemente necessitarem de transfusões sanguíneas é coerente a prevalência encontrada, visto que corresponde a principal via de transmissão do vírus.
ConclusãoA coinfecção TTV/HCV em pacientes com doenças hematológicas, evidencia a possibilidade de infecção de um vírus prevalente e não testado nos serviços hemoterápicos. A presença simultânea de TTV e HCV pode influenciar no diagnóstico viral, na carga viral do HCV, na resposta imunológica e aos tratamentos antivirais no paciente. Associado às doenças hematológicas pode ser imprescindível ter que adotar abordagens terapêuticas individualizadas para estes pacientes.