
O sistema de antígenos eritrocitários Rh é composto pela expressão de antígeno D pela proteína RhD e de antígenos C, c, E, e pela proteína RhCcEe. Mutações gênicas e alterações na conformação de epítopos promovem inúmeras variações fenotípicas do sistema Rh, incluindo variantes raras que podem gerar desafios no âmbito transfusional.
ObjetivosDescrever um caso de brasileira portadora de sangue com fenótipo RhD– e aloanticorpo anti-Rh17, ressaltando desafios e soluções no manejo de pacientes com sangue raro em contexto de urgências clínicas e cirúrgicas.
Relato de casoPaciente feminina, 59 anos, apresentou queda de altura de 3 metros em elevador no dia 06/06/24, evoluindo com fratura exposta de tíbia e fíbula distais direitas, luxação exposta do tornozelo direito, fratura-luxação exposta do tálus e calcâneo esquerdos com múltiplas luxações expostas do tornozelo e médio-pé esquerdos e fratura vertebral de L4. Transportada ao Hospital Estadual de Diadema com tala provisória em membros inferiores e sangramento local visível. Imediatamente submetida à fixação externa bilateral dos tornozelos, com exames admissionais demonstrando hemoglobina (Hb) 11,7 g/dL, leucócitos totais 15640/μL e plaquetas 283000/μL. No intra-operatório, não houve sangramento atípico e não necessitou de transfusão de concentrado de hemácias (CH). Em contexto de infecção de sítio operatório e sem exteriorização hemorrágica, evoluiu com anemia ( Hb 6,1 g/dL ) sem demais citopenias, sendo prescrita transfusão de CH. Provas imuno-hematológicas, identificado fenótipo RhD–, caracterizado pela ausência dos antígenos C, c, E, e e presença de aloanticorpo que apresentava panreatividade com 31 hemácias de 2 paineis comerciais (Bio-rad e Grifols), e se apresenta negativo com Hemácias RhD–, caracterizando anti-Rh17. Não sendo identificado CH compatível entre os familiares, optou-se por iniciar protocolo utilizado no programa de PBM institucional (UNIFESP) para maximizar a tolerância da paciente à anemia e incrementar níveis de Hb, com eritropoetina 4000 UI por dia e reposição intravenosa de ferro. Com Hb mínimo de 5,6 mg/dL durante internação, não apresentou síndrome anêmica, com incremento progressivo de Hb a partir de 17/06/24, permitindo 3 abordagens cirúrgicas: debridamento de ferida operatória em tornozelo esquerdo no dia 05/07/24 (Hb pré-operatório 9,2 g/dL) e retirada de fixadores externos e redução de tornozelos em 25/07/24 (Hb pré-operatório 10,4 g/dL). A paciente recebeu alta hospitalar em bom estado geral sem receber hemocomponentes em todo acompanhamento.
DiscussãoAnti-Rh17 é um aloanticorpo raro, clinicamente significante, que reage com os antígenos C/c e E/e do sistema Rh produzidos por indivíduos que não possuem estes antígenos nas suas hemácias (RhD–) e são a eles expostos. Assim, a identificação correta deste fenótipo e aloanticorpo evita reações hemolíticas relacionadas à transfusão. Devido a raridade desse sangue medidas que maximizem a tolerância da paciente à anemia e tratamento adequado da anemia são importantes para um desfecho clínico adequado.
ConclusãoRelatamos um caso bem-sucedido de identificação de sangue raro RhD–com aloanticorpo anti-Rh17 e condução do caso baseado em protocolo institucional de PBM, sem necessidade de transfusão de sangue, e com desfecho clínico adequado.