
Os Cuidados Paliativos (CP) são um tipo de cuidado individualizado que busca aliviar os sintomas do paciente e promover seu bem-estar no contexto de doenças ameaçadoras à vida, independentemente do potencial curativo. Estudos prévios mostram que os pacientes com neoplasias hematológicas possuem menor acesso aos serviços de CP, além de serem expostos a terapias mais agressivas no final da vida quando comparados aos pacientes com tumores sólidos. A causa é multifatorial, englobando questões de acesso e outras relacionadas especificamente aos hematologistas, como formação acadêmica e dificuldades de se estabelecer claramente o prognóstico em neoplasias hematológicas e definir o momento adequado para a transição para os CP.
ObjetivoAvaliar a formação acadêmica e a autopercepção de hematologistas brasileiros sobre sua capacidade de identificar pacientes elegíveis a CP e a tratar adequadamente seus sintomas.
MétodosFoi aplicado um questionário eletrônico a hematologistas brasileiros atuantes das redes pública e privada de todas as regiões do país com questões demográficas e profissionais sobre CP. O projeto foi aprovado pelo CEP da instituição e todos os participantes assinaram TCLE de forma eletrônica.
ResultadosO questionário enviado foi respondido por 46 hematologistas de todas as regiões do Brasil. Destes, 67,4% não receberam qualquer formação acadêmica prévia em CP, sendo que 76,1% dos profissionais não se sentem capazes de controlar de forma adequada os sintomas físicos, psíquicos e emocionais de pacientes elegíveis a CP. Quanto ao encaminhamento de pacientes aos CP, 21,7% dos hematologistas relataram que raramente ou nunca indicam CP aos seus pacientes, 34,8% julgam que indicam CP tardiamente ou em apenas um pequeno número dos casos potencialmente elegíveis, e apenas 43,5% acreditam indicar CP no momento adequado. Quando considerados apenas os hematologistas que encaminham seus pacientes para CP, 44% dos profissionais relataram indicar CP apenas para pacientes que não possuem mais proposta terapêutica curativa e 66% deles indicam CP para aqueles que apresentam sintomas que comprometem a qualidade de vida, independente da linha terapêutica. No que se refere ao local de atuação, 17,4% dos hematologistas trabalham apenas em instituições públicas, 19,6% apenas em instituições privadas e 63% trabalham tanto em instituições públicas quanto privadas. Dentre os hematologistas que trabalham em instituições públicas, 41,3% possuem acesso a equipes especializadas em CP, sendo este número de apenas 17,4% nas instituições privadas.
DiscussãoNossos dados demonstram que aspectos relacionados aos hematologistas podem ter papel importante no menor acesso dos pacientes hematológicos a serviços de CP. Em primeiro lugar, existe uma grande lacuna na formação acadêmica dos hematologistas em relação a CP, seja na graduação, seja na residência médica. Como consequência, os hematologistas sentem-se menos aptos a conduzir casos elegíveis a CP. Além disto, conceitos equivocados que vinculam os CP apenas a pacientes que estejam em terminalidade fazem com que parte significativa dos pacientes tenha acesso aos CP apenas quando não há mais proposta curativa.
ConclusãoOs dados reforçam a necessidade de fomento a políticas ativas de educação em CP nas residências médicas de hematologia, além da expansão de equipes de CP nestes serviços.