
O acometimento do sistema nervoso central (SNC) é raro nas doenças linfoproliferativas B crônicas, sendo mais frequente a recaída nos linfomas não-Hodgkin agressivos, porém a era pós Rituximab promoveu um ganho para esse perfil de pacientes.
ObjetivoRelatar o envolvimento de SNC em 04 pacientes com doenças linfoproliferativas B crônicas e indolentes e revisar a literatura.
Relato de casoCaso 1: Homem, 53 anos, com leucemia linfoide crônica (LLC) Binet A desde 2012 e deleção 17p, apresentou crise convulsiva e rebaixamento neurológico em 12/2021. O liquor mostrou 18,3% de células B CD5+, CD19+, CD200+, recebeu imunoquimio intratecal e ibrutinibe sem resposta, LCR ainda infiltrado. Caso 2: Homem, 56 anos, com LLC Binet A desde 07/2021 evoluiu com abrupta piora cognitiva, RNM encefálica prévia normal, novo exame em 02/2022 mostrou lesões expansivas infiltrativas e nodulares intra-axiais bilaterais, compatíveis com LNHDGCB (BCL-2+, CD20+, c-Myc+, Ki-67+, MUM1+), LCR normal, tratado com metotrexate (MTX) em altas doses, sem resposta. Caso 3: Mulher, 56 anos, com LNH folicular EC IVA em 2019, recebeu 06 ciclos de R-CHOP e manutenção por 02 anos, em remissão clínica. Em 04/2022 cursou com rápido agravo neurológico. A RNM mostrou lesões na substância branca nos hemisférios cerebrais, LCR infiltrado por células CD19, CD23, CD20, CD10 positivas, tratada com Ara C em altas doses, regressão das lesões encefálicas, LCR ainda infiltrado. Caso 4 - Homem, 64 anos, com linfocitose, assintomático desde 2011, IF de SP CD5- CD20+, CD22+, CD79b+, CD200+, evoluiu em 01/2022 subitamente com rebaixamento neurológico, entubado, LCR com 52,8% de linfócitos B CD19+, CD 20+, CD200+. Intercorreu com infecção pelo SARS-Cov 19, complicações clínicas e óbito.
DiscussãoO envolvimento do SNC nas doenças linfoproliferativas, tanto na apresentação inicial ou na recidiva, é raro, podendo ser leptomeníngeo disseminado e/ou parenquimatoso. Raramente descrito, o acometimento meníngeo na LLC é objeto de discussão quanto ao impacto prognóstico e ao tratamento. A infiltração do SNC é mais descrita nos linfomas agressivos em cerca de 5% dos casos. Descrevemos 04 casos com envolvimento SNC em patologias de comportamento tipicamente indolente. Lemma et al. exploraram o papel dos marcadores biológicos que podem conferir às células do linfoma tropismo pelo SNC, altos níveis de Integrina alpha 10 e PTEN em amostras de tecido foram associadas a este tropismo, enquanto a expressão de CD44 e caderina-11 parecem ser protetivas, estes dados são preliminares e precisam de validação. A apresentação clínica é heterogênea, desde alteração comportamental, cefaleia, meningismo, hidrocefalia, e hipertensão intracraniana. No tratamento do linfoma primário de SNC o MTX é fundamental, mas ainda não há consenso em relação a profilaxia e ao protocolo padrão nas recaídas. Fica claro que a dose de MTX IT parece insuficiente para tratar as formas parenquimatosas. Quando há envolvimento meníngeo, a via IT pode ser usada, mas os dados sobre os resultados não são conclusivos.
ConclusãoO tratamento dos pacientes que apresentam infiltração SNC permanece um desafio principalmente nos linfomas indolentes, considerando a dificuldade de padronizar tratamento eficaz, de menor toxicidade e a gravidade das sequelas por vezes irreversíveis. O mecanismo associado à invasão e a predileção de alguns casos pelo SNC permanece incerto.