HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA insuficiência renal aguda (IRA) é uma complicação comum no pós-operatório de transplante hepático e se associa a aumento da morbimortalidade e prolongamento do tempo de hospitalização. Diversos fatores contribuem para o desenvolvimento de IRA nesse contexto, incluindo instabilidade hemodinâmica, uso de imunossupressores nefrotóxicos e transfusões de hemocomponentes e hemoderivados. Evidências sugerem que a exposição a produtos sanguíneos pode desencadear respostas inflamatórias e imunológicas que agravam a função renal.
ObjetivosAvaliar a correlação entre utilização dos diferentes hemocomponentes e hemoderivados e a ocorrência de IRA nos primeiros sete dias após o transplante hepático em nosso serviço.
Material e métodosEstudo clínico observacional, tipo coorte retrospectivo, que avaliou 622 transplantes hepáticos consecutivos realizados no HCFMUSP, no período de 1° de janeiro 2020 a 31 de dezembro de 2023. As transfusões foram avaliadas desde o período perioperatório até o 28° dia pós-transplante. IRA foi definida pelo critério KDIGO adaptado, subtraído o critério diurese, considerando a dificuldade de interpretar o real significado deste dado no pós-operatório e em pacientes cirróticos.
ResultadosDos 573 pacientes incluídos no estudo, mais de dois terços (78,7%) apresentaram alguma alteração da creatinina e foi classificado com IRA nos sete primeiros dias de pós-operatório. O número de transfusões teve impacto estatisticamente significante na ocorrência de IRA (p < 0.001). Pacientes que desenvolveram IRA apresentaram maior número de transfusões (88,2% vs. 66,7%) e receberam quantidades significativamente maiores de concentrados de hemácias (CH) (5 und. [2-9] vs. 2 und. [0-4], p < 0.001), além de outros componentes sanguíneos como plasma fresco congelado (PFC), concentrados de plaquetas (CP) e concentrado de fibrinogênio (CF) (p < 0.001). Não houve associação de IRA com o uso de crioprecipitado (CRIO) e Concentrado de Complexo Protrombínico (CCP). Dos 451 pacientes que apresentaram IRA, 173 (38,3%) realizaram terapia de substituição renal (TSR) e 41 (23,7%) já estavam em tratamento dialítico antes do transplante, o tempo médio de TSR entre os pacientes dialíticos foi de 12,6 ±14,8 dias, variando de 0,04 (01h06min) a 63,5 dias. As transfusões de hemocomponentes e hemoderivados tiveram impacto estatisticamente significante na necessidade de TSR (p < 0.001) comparada aos pacientes não transfundidos.
Discussão e conclusãoA maior exposição à CH, PFC, CP e CF entre os pacientes que desenvolveram IRA sugere uma possível associação entre transfusão e disfunção renal no pós- operatório. No entanto, não se pode descartar a presença de viés de indicação, uma vez que pacientes com maior sangramento intra e pós-operatório – e consequentemente, maior gravidade – podem ter recebido múltiplos hemocomponentes e hemoderivados, contribuindo para esse desfecho. Esses resultados podem refletir tanto a condição clínica mais crítica desses pacientes quanto os efeitos adversos da transfusão, incluindo ativação da cascata inflamatória, sobrecarga volêmica e lesão endotelial. As transfusões sanguíneas em pacientes submetidos a transplante hepático estão significativamente associadas a uma maior incidência de IRA e à maior necessidade de TSR. Esses achados destacam a relevância da adoção de estratégias transfusionais mais restritivas, criteriosas e individualizadas, visando à preservação da função renal e à melhoria dos desfechos clínicos nesses pacientes.




