
Relatar um caso de aloimunização por anti-f em paciente com Doença Falciforme (DF) e realizar revisão de literatura sobre o Anti-f.
Relato de casoFeminino, 20 anos, com diagnóstico de DF antecedente AVC, interna para realização de colecistectomia, possuía histórico transfusional em outras instituições. No primeiro teste pré transfusional em nossa instituição (01/2024), foi evidenciado: pesquisa de anticorpos irregulares (PAI): reagente e teste de antiglobulina direto (TAD): IgG 1+; C3d 3+. Nesta análise, a presença do autoanticorpo prejudicou a identificação do aloanticorpo e a busca por uma bolsa compatível, a cirurgia foi suspensa, iniciado corticoterapia em 02/2024 e paciente recebeu alta hospitalar. Em nova análise 03/2024 (34 dias após corticoide) identificado presença de anti- f e TAD (fracamente positivo). Em 05/2024 é necessário nova internação por sepse de foco abdominal a paciente permanecia com Anti-f e TAD+, contudo, devido gravidade do quadro clínico recebeu 2 UI de concentrado de hemácias (CH) apesar de prova de compatibilidade maior incompatível. A paciente foi transfundida com fenótipo CCee, realizou a cirurgia e não apresentou reações transfusionais. Análises laboratoriais de imuno-hematologia foram realizadas por laboratório de referência parceiro da agência transfusional do hospital.
DiscussãoAs transfusões são importantes para o cuidado dos pacientes com DF, contudo, muitas dessas transfusões ocorrem em emergências, na qual hemocomponentes especiais não estão prontamente disponíveis para transfusão aumentando o risco de aloimunização eritrocitária. Pesquisas em pacientes com DF demonstram taxas de aloimunização que variam de 12 até 50%. A maior frequência é para anti- C, anti- E (sistema Rh) e anti- K (sistema Kell). O antígeno- f faz parte do sistema RH sendo expresso quando as hemácias possuem c e e no mesmo haplótipo (cis). O anti-f não é comum na prática transfusional, pode se manifestar de forma natural, como alo ou autoanticorpo e ser mascarado por outros anticorpos. Trata-se de um anticorpo clinicamente significante podendo levar a reação hemolítica e doença hemolítica perinatal. A paciente tinha histórico transfusional em diversos hospitais, o que aumentava o risco de aloimunização. Foi identificada associação de um autoanticorpo com anti-f. O tratamento com esteroides pode ter minimizado a reação do autoanticorpo proporcionando a identificação do anti-f em um segundo momento. Destaca-se também a dificuldade de identificação do antígeno f pela ausência deste nos diagramas das hemácias comerciais da rotina. Unidade de CH negativas para ce são mais difíceis de encontrar na população, desta forma, dada a frequência destes a ausência do antígeno c é uma escolha mais conservadora para transfusão do que as unidades negativas para o antígeno e. Várias agências transfusionais não possuem laboratório de imuno hematologia para resolução de alterações em testes transfusionais, o que aumenta o tempo de espera para transfusão podendo agravar o quadro clínico dos pacientes. No caso em questão a paciente aguardou meses para concluir a investigação, o quadro de colecistite evoluiu para sepse abdominal, mas manteve desfecho favorável e não apresentou reações transfusionais.
ConclusãoTransfusões continuam sendo essenciais para o tratamento da DF, o uso racional dos hemocomponentes associado a transfusão de CH especiais (filtrado e fenotipado) são condutas necessárias para evitar complicações transfusionais.