
Hemofilia A adquirida (HAA) é um distúrbio de coagulação raro devido ao desenvolvimento de autoanticorpos neutralizantes contra o fator VIII (FVIII), chamados inibidores. Os dados da literatura sobre a HAA associada à gravidez e ao puerpério são escassos. O objetivo deste estudo foi revisar sistematicamente a literatura atual sobre tratamento e desfechos associados à HAA durante a gravidez e o puerpério. O estudo foi registrado no PROSPERO (CRD42022353004) e conduzido seguindo a declaração PRISMA 2020. Buscas estratégicas foram realizadas em março/23 e atualizadas em março/24 nas bases de literatura PubMed, Embase, Cochrane e LILACS. Publicações relatando grávidas e puérperas com HAA foram incluídas. Dados individuais foram extraídos, quando disponíveis. A qualidade metodológica foi avaliada através de questionários do Joanna Briggs Institute (JBI) adaptados. De 759 reportes, incluíram-se 58 publicações (13 coortes e 45 relatos de caso) descrevendo 177 mulheres, sendo 25 (14%) grávidas e 155 (88%) puérperas. Três tiveram ou mantiveram HAA em duas gestações ou puerpérios diferentes. A idade mediana em 168 (95%) mulheres foi 31,3 anos (intervalo 17‒50). Todas apresentaram inibidor positivo, com título mediano 10,7 BU/mL (intervalo 0,7‒1600; n = 168). O tempo mediano para o diagnóstico foi 59,5 dias (intervalo 0‒335) após o parto (n = 95) e 20 dias (intervalo 0‒120) após o primeiro episódio de sangramento (n = 12). Cento e setenta (96%) mulheres tiveram pelo menos um episódio de sangramento. Sessenta e duas (35%) mulheres necessitaram de hemotransfusão, 11 (6%) foram submetidas a histerectomia e 4 (2%) tiveram choque hipovolêmico. Prescreveram-se agentes hemostáticos em 99 (60%) mulheres, sendo agentes de bypass em 76 (43%). Das 163 (92%) mulheres que realizaram tratamento com IS, 67/147 (46%) receberam somente corticosteroides e 76/147 (52%) receberam uma combinação de corticosteroides com outro(s) agente(s) imunossupressor(es). A Remissão Completa (RC) foi alcançada em 140 (79%) mulheres, sendo espontânea em 12 (7%) e após tratamento com Imunossupressores (IS) em 128 (72%). O tempo mediano para RC entre aquelas que receberam IS foi 4,0 meses (intervalo 0,6‒131) após o diagnóstico (n = 29), 1,0 mês (intervalo 0,0‒13,4) após o início do tratamento (n = 42) e 6,0 meses (intervalo 1,0‒6,0) durante o acompanhamento (n = 4). Cinco (3%) mortes foram relatadas, sendo que 3 (2%) foram relacionadas a sangramento. Duas (1%) mulheres atingiram RC antes do óbito. Sete neonatos tiveram confirmação da presença de inibidor circulante, 4 sangraram e 2 morreram. A qualidade metodológica foi alta em 4/13 (31%) coortes e em 19/45 (42%) dos relatos de caso. A mortalidade em HAA associada à gravidez e ao puerpério não pode ser negligenciada. Quando necessário, associam-se diversas terapias para o controle hemostático. Corticosteroides são o tratamento mais utilizado para erradicação. Existe risco de transmissão de anticorpos para neonatos com potencial sangramento.