
Os serviços de imuno-hematologia enfrentam diariamente desafios na identificação de anticorpos irregulares, sobretudo se envolve anticorpos contra antígenos de alta frequência. Este estudo compartilha a experiência de um laboratório de imuno-hematologia na identificação de anticorpos contra antígenos de alta frequência e a colaboração entre instituições em prol do atendimento ao paciente.
Relato de casoPaciente de 52 anos, portadora de anemia falciforme, deu entrada em Hospital atendido pelo Hemocentro São Lucas (HSL) com hemoglobina de 4 g/dL, sendo solicitada a transfusão de 4 unidades de Concentrado de Hemácias (CH). Registros de 2019 identificavam anticorpos anti-Hy, anti-E, anti-K e anti-S no soro da paciente. Contudo, no painel de hemácias, o resultado foi de positividade em todas as hemácias cuja intensidade foi de quatro cruzes. Após testes adicionais como tratamento com DTT e Pesquisa de sub-classe de IgG, identificou-se alto risco de hemólise, porém sem especificar o anticorpo. Na impossibilidade de concluir a investigação iniciamos contato com laboratórios de apoio. Na Fundação Pró-Sangue, foram utilizadas hemácias de fenótipo raro e realizada genotipagem. O resultado do fenótipo deduzido foi Hy- e Jo(a-). Para confirmar a presença do anti-Joa, o soro foi testado com hemácias Hy- e Jo(a+), cujo resultado foi positivo. Concluiu-se que a paciente possui anticorpos anti-E e anti-Joa,em associação com os anticorpos anti-K, anti-S e anti-Hy. A Pró-Sangue apontou a presença de um doador em seu banco com o fenótipo requerido, porém a liberação seria somente em 3 dias. Entretanto, como a paciente evoluiu com queda nos níveis de hemoglobina para 3,7 g/dL e transferência da paciente para UTI, iniciamos busca estendida de doadores para o Brasil através da Política Nacional de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde (MS), porém o único doador compatível com a paciente era o da Fundação Pró-Sangue. Em paralelo, diante da demora em obter doação de sangue compatível, foi realizado o Ensaio de Monocamada de Monócitos Modificado (MMA) para tentar uma transfusão incompatível, porém o resultado de 7% indicou alto risco de hemólise. Até o comparecimento do doador a paciente recebeu tratamento alternativo com eritropoetina e suporte intensivo, sendo finalmente transfundida após 2 dias, respondendo com melhora nos níveis de hemoglobina (5,7 g/dL). A paciente permaneceu em observação por mais oito dias e recebeu alta hospitalar com 6,8 g/dL de hemoglobina.
ConclusãoO sistema Dombrock consiste em oito antígenos eritrocitários, sendo que seis deles são antígenos de alta frequência. Estes antígenos estão presentes em mais de 99% da população, sendo que os fenótipos Hy- e Jo(a-) são encontrados em amostras associadas com múltiplos anticorpos. Concluímos que a resolução de casos complexos de pacientes com múltiplos anticorpos direcionados contra antígenos de alta frequência demanda proficiência técnica, porém a estrutura integrada de serviços de diferentes instituições é essencial para efetivo atendimento às necessidades transfusionais dos pacientes.