
O doador ou paciente com sangue raro é aquele que apresenta a ausência de algum antígeno eritrocitário de alta frequência na população ou a ausência de uma combinação de múltiplos antígenos comuns. O sangue raro possui uma frequência populacional igual ou inferior à 1:1000. O atendimento à demanda transfusional desses pacientes representa um grande desafio para os serviços de hemoterapia, pois o suporte adequado depende da disponibilidade de unidades de concentrados de hemácias de doadores com fenótipos raros. Estratégias laboratoriais para a busca e identificação de doadores raros são essenciais para o fortalecimento do banco de sangue raro do serviço de hemoterapia, visando o atendimento desses pacientes complexos, com múltiplos anticorpos, anticorpos contra antígenos de alta frequência ou como profilaxia da aloimunização.
Objetivos: Realizar a busca de doadores raros cellano negativo por meio de testes sorológicos de fenotipagem, realizados no Laboratório de Imuno-hematologia de Pacientes da Fundação Hemocentro de Brasília (LIHP-FHB).
Materiais e métodos: Foram incluídos todos os doadores fenotipados para os sistemas Rh/K entre abril e novembro de 2021. Os testes de fenotipagem Rh/K foram realizados no Laboratório de Imuno-hematologia de Doadores da FHB utilizando o método automatizado em microplaca (Immucor). Os doadores K+ (KEL1) foram selecionados para a fenotipagem do antígeno de alta frequência Cellano (k: KEL2) no LIHP, utilizando anticorpos policlonais anti-k de origem humana em cartão gel-teste (Bio-Rad).
ResultadosForam fenotipados 12.606 doadores de sangue para os sistemas Rh/K. Desses, 569 (4,5%), apresentaram fenótipo K+. O fenótipo raro k- foi identificado em 4 (0,7%) doadores K+, representando uma frequência de 0,032% da população de doadores de sangue do Distrito Federal.
DiscussãoO sistema Kell consiste em 38 antígenos expressos em uma glicoproteína transmembranar, membro das famílias de endopeptidases de zinco, presente nos eritrócitos, órgãos linfóides, coração, pâncreas e cérebro. Os anticorpos Kell são tipicamente da classe IgG e de natureza imune, sendo formados após transfusões sanguíneas e/ou gestações. Esses anticorpos são clinicamente significativos, estando diretamente associados à doença hemolítica perinatal e a reações hemolíticas transfusionais. O fenótipo K+k+ é encontrado em 8,8% da população branca e 2% em negros, enquanto o fenótipo raro K+k- possui frequência de 0,2 em brancos e é muito raro em negros. Na população de doadores de sangue do DF evidenciamos uma frequência de 4,5% e 0,032% para os fenótipos K+k+ e K+k-, respectivamente. Essas frequências intermediárias às descritas na literatura podem ser reflexo da miscigenação da população de doadores do DF.
ConclusãoOs quatro doadores raros identificados nesse estudo foram incluídos no banco de doadores raros da FHB e no Cadastro Nacional de Sangue Raro (CNSR) do Ministério da Saúde, que contempla todos os doadores raros registrados nos hemocentros públicos do País. O investimento em estratégias sorológicas e/ou moleculares para a busca de doadores raros nos serviços de hemoterapia é essencial para o fortalecimento dos bancos de dados das hemorredes locais e nacional, visando o adequado atendimento e segurança transfusional desse grupo de pacientes complexos.