
A β-talassemia é uma hemoglobinopatia causada pela deleção ou mutação dos genes que codificam a produção da β-globina, componente da hemoglobina A, apresentando-se com microcitose, hipocromia e anemia em grau variados. Na talassemia major (β-talassemia homozigótica severa ou heterozigótica mista) há grave anemia transfusão-dependente, com um risco de sobrecarga de ferro (Fe) e disfunções orgânicas a longo prazo 3. Com os quelantes de Fe e melhorias na terapia transfusional, houve aumento importante da sobrevida na talassemia major, atualmente com uma expectativa de vida de 50 a 60 anos com manejo adequado 3.
Caso clínicoPaciente feminina, 34 anos, com β-talassemia major, realizava acompanhamento hematológico regular e transfusões a cada 21 dias, com hemoglobina pré-transfusional (HBPT) em torno de 9,5 g/dL. Como complicação da doença apresentava osteopenia, sobrecarga de Fe controlada com dose alta de quelante e hiperesplenismo, com leucopenia leve a moderada e plaquetopenia leve. Entre os anos de 2021 e 2022 a paciente teve da hemoglobina, sem fatores externos como desencadeantes, chegando a apresentar HBPT de 8,2 g/dL, além de piora da qualidade de vida, sendo então necessário aumento do suporte transfusional para 3 unidades (UI) de concentrados de hemácias (CH) a cada 14 dias, com consequente piora da sobrecarga de Fe laboratorial, necessitando aumento da dose do quelante deferasirox para 35 mg/kg/dia. Com a disponibilidade do luspatercept no mercado brasileiro, a droga foi solicitada ao plano de saúde em julho de 2022 com negativa da operadora, havendo posterior abertura de processo judicial, seguido de decisão desfavorável ao fornecimento do medicamento. Pela necessidade transfusional crescente, perda de qualidade de vida, difícil controle do de Fe e sinais de hiperesplenismo, foi considerada a esplenectomia, com recusa pela paciente por questões pessoais. Realizada revisão de literatura buscando alternativas terapêuticas, foram encontrados relatos e séries de casos de embolização esplênica parcial em β-talassemia intermedia e major. Após discussão com paciente e cirurgião vascular, o procedimento foi realizado no final de 2022, com embolização de 80% do baço, sem complicações até este relato. Nos meses subsequentes à embolização, paciente apresentou menor necessidade transfusional, recebendo 3UI de CH a cada 28 dias, além de normalização leucocitária e plaquetária, e redução progressiva da dose de quelante. Atualmente a paciente mantém suporte transfusional a cada 21 a 28 dias e com dose de quelante em 18 mg/kg/d, com excelente controle da sobrecarga de Fe e notável melhora da qualidade de vida.
DiscussãoA embolização esplênica é uma alternativa menos invasiva à esplenectomia, com menor risco ao procedimento e manutenção de função imunitárias do baço 6. Uma série de casos com talassemia dependente transfusional em população pediátrica e com hiperesplenismo demonstrou, após cinco anos de seguimento, menor demanda por transfusões e ausência de quadros infecciosos comuns após a esplenectomia, além de correção de leucopenia e trombocitopenia pré-existentes 7, evolução semelhante ao descrito.
ConclusãoA embolização esplênica é uma terapêutica a ser considerada, quando disponível, em casos com difícil controle de anemia e hiperesplenismo nos fenótipos graves de β-talassemia, envolvendo menores riscos cirúrgicos e mantendo funções imunitárias do baço, porém, ressaltamos haver carência de dados na literatura sobre o tema.