
Relatar o caso de uma paciente com pancitopenia associada a síndrome de Felty identificada ao diagnóstico de Artite Reumatóide (AR).
Relato de casoPaciente feminina de 67 anos, internada em maio de 2021 devido quadro de perda ponderal de cerca de 16 kg em 4 meses, astenia, dores ósseas e articulares difusas, além de sangramento nasal, com antecedentes de hipotireoidismo e insônia. Devido achado laboratorial inicial de pancitopenia, foi investigada por hematologista externo. Exames admissionais evidenciaram: Hb 6,7 g/dL; Ht 19,8 %; leucócitos 737 mm3; e plaquetas 45.420 mm3. Mielograma externo sugeria leucemia promielocítica aguda. Devido hipótese diagnóstica, foi iniciado ATRA e coletados novo mielograma, imunofenotipagem de medula óssea (IFMO), cariótipo e pesquisa de PML-RARA. Em nosso serviço, o mielograma e a IFMO descartaram leucemia. Associado a isso, paciente tinha uma tomografia computadorizada de abdome de janeiro de 2021 com descrição de hepatoesplenemegalia. Como paciente também apresentava dores em membros inferiores, foi avaliada pela neurologia e pela cirurgia vascular, que sugeriram as possibilidades de vasculite, síndrome paraneoplásica ou infiltração medular por tumor sólido. Considerando-se também doença reumatológica, revisou-se a anamnese, e destacou-se o relato da paciente de poliartrite de mãos, cotovelos, ombros, joelhos e pés, com queda do estado geral e febre intermitente. Em consulta prévia com reumatologista em outro serviço, já tinha fator reumatoide (FR) positivo, além de história familiar de uma irmã com diagnóstico de artrite. Nosso FR veio com resultado de 900,0 UI/mL (limite do ensaio). Síndrome de Felty foi diagnosticada e iniciamos tratamento com corticoterapia e metotrexate. Evoluiu com melhora clínica e alta para seguimento ambulatorial.
DiscussãoO diagnóstico diferencial entre as várias causas de pancitopenia constitui um desafio na prática clínica. Em pacientes com AR, o diagnóstico de neutropenia autoimune, como parte da Síndrome de Felty, somente pode ser firmado após a exclusão de outras causas de neutropenia. Esta compreende a tríade de AR, neutropenia e esplenomegalia. Ocorre em menos de 1% dos pacientes com AR. Em casos selecionados, a revisão rigorosa do quadro clínico, obedecendo aos critérios diagnósticos de cada doença, evita maiores iatrogenias e atraso diagnóstico adicional, como neste caso em que a hipótese inicial foi considerada devido sua gravidade, mas sua pronta revisão levou à conduta mais pertinente.
Conclusãoo caso em questão ilustra a importância dos diagnósticos diferenciais de pancitopenia, da anamnese minuciosa e da atenção à qualidade dos dados e exames vindos com o encaminhamento inicial, além de um abrangente conhecimento clínico por parte do internista e do hematologista.