
Relatar um caso de Disfunção Maturativa Celular secundária a deficiência de Vitamina B12.
Relato de casoO. S. J., masculino, 52 anos, antecedente de etilismo e DM, atendido em outro serviço (Hospital Santa Casa de Barretos) com quadro de dor abdominal mal definida. Solicitados exames laboratoriais: Hb 2,7, Ht 7,6, VCM 95, HCM 34, RDW 30,1, Leucócitos 900, Neutrófilos 405, Plaquetas 7000, INR 1,95, TTPA 23,8, Bilirrubina total 2,3 e Direta 1,6, AST 83, ALT 50, Urina com leucocitúria, nitrito negativo e numerosas bactérias. Paciente foi internado para antibioticoterapia com hipótese de infecção urinária e solicitado avaliação hematológica. Microscopia realizada no local aventou a hipótese de Leucemia Promielocítica Aguda e iniciado ácido all-trans retinóico (ATRA). O paciente evoluiu com rebaixamento do nível de consciência e choque séptico, sendo encaminhado para leito de terapia intensiva, onde recebeu múltiplas transfusões e iniciou hemodiálise por Insuficiência Renal Aguda. Foi, então, transferido para a UTI do Hospital de Amor de Barretos, onde foi avaliado pela Equipe de Hematologia. Realizado hemograma com microscopia com presença de anisocitose, policromasia, anemia, leucocitose, neutropenia hiperssegmentada acentuda e plaquetopenia; aspirado de medula óssea, hipercelular para a idade com predomínio da série granulocítica, com retardo maturativo e presença de 50% de promielócitos; PML-rara negativo; imunofenotipagem de medula óssea sem critérios para leucemia aguda, presença de apenas 2,7% de células imaturas CD34+ mieloides, presença de displasia das séries eritrocitárias e granulocíticas e dosagem de vitamina B12 179 pg/mL. Sendo, portanto, diagnosticado com disfunção maturativa celular secundária à deficiência de Vitamina B12, suspenso ATRA e iniciado reposição vitamínica. Apesar das medidas, paciente evoluiu com sangramento do SNC e óbito após 4 dias.
DiscussãoA vitamina B12 é hidrossolúvel obtida através da alimentação de origem animal. A absorção ocorre no íleo terminal após se ligar a vitamina R, presente na saliva e degradada por proteases no estomago, local que é conectada ao fator intrínseco gástrico e, finalmente, chega ao íleo terminal aonde se liga a um transportador plasmático e atinge a circulação. A vitamina B12 está envolvida no metabolismo da homocisteína. As reações liberam o grupamento metil, fundamental para manter a mielina do Sistema Nervoso Central (SNC). A falta de vitamina B12 pode gerar um leque de manifestações, desde brandas a severas, podendo ser anemia megaloblástica e neutrófilos hiperssegmentados, sendo uma consequência da parada do metabolismo da homocisteina, que gera metabólitos essenciais na síntese do ácido Desoxirribonucleico (DNA). Consequentemente, altera a divisão celular e apresenta-se como uma dissociação núcleo citoplasmática, resultando em parada do desenvolvimento de vários estágios dos precursores hematopoiéticos. Como resposta ocorre hipercelularidade com maturação anormal na medula óssea e pancitopenia em hemograma. É possível ocorrer hemorragia retianiana e do SNC, desmielinização com danos progressivos e irreversíveis.
ConclusãoO paciente apresentou quadro clínico de pancitopenia, inicialmente foi feita a hipótese de leucemia aguda, que foi descartada com exames e, posteriormente, de parada de maturação secundária a deficiência de vitamina B12. Paciente com história de etilismo, fator de risco para essa deficiência, com alterações laboratoriais – apesar de não apresentar macrocitose, tinha hemograma com microscopia com pancitopenia, com neutrófilos hiperssegmentados, anisocitose e policromasia, além de vitamina B12 baixa. Esse caso visa à importância da hipótese diagnóstica de deficiência de vitamina B12 como diagnóstico diferencial de pancitopenia em pacientes com história clínica pregressa e antecedentes pessoais suspeitos.