
Caracterizar a experiência do Programa de Triagem Neonatal para doença falciforme no estado do Piauí, entre os anos de 2014 e 2023.
Material e métodosFez-se consulta de banco de dados no Serviço de Referência em Triagem Neonatal (SRTN) do Piauí, para listagem de resultados suspeitos para hemoglobinopatias. Os relatórios liberados apontaram idade da coleta do teste do pezinho, tempo de liberação dos resultados pós-coleta e idade da criança na primeira consulta. Nos casos confirmados para doença falciforme (DF), foram registrados dados epidemiológicos e desfecho clínico das crianças a partir de prontuário. Os dados foram analisados no programa estatístico JASP (versão 0.18.3). A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 63579122.3.0000.5269).
ResultadosEntre 2014 e 2023, foram diagnosticadas 241 crianças com DF e incidência média anual estimada em 1:1.900 nascidos vivos piauienses. A cobertura da triagem abrangeu 80,5% dos nascidos vivos. Em 70,0% dos casos, o teste do pezinho foi coletado após 7 dias de vida (mediana = 9,0 interquartil = 4,0-14,0). Os resultados foram liberados após 60 dias em 54,0% das situações (mediana = 61,0 interquartil = 36,5-85,5). As crianças compareceram para a primeira consulta antes de 120 dias em 62,7% dos casos (mediana = 103,0 interquartil = 66,8-139,2). As crianças foram provenientes das cidades do interior do Estado (80,5%) residindo a mais de 500 km do serviço de referência em 19,5% dos casos. O perfil de hemoglobina mais frequente foi SS (70,9%). Do total de crianças inicialmente diagnosticadas, viu-se que 58,1% mantêm vinculação ao serviço enquanto 22,3% perderam seguimento apesar de busca ativa. Houve 15,0% de transferências e 4,6% dos pacientes foram a óbito.
DiscussãoA triagem neonatal metabólica, também conhecida como teste do pezinho, possibilita detecção precoce de doenças e tratamento antes do aparecimento das manifestações clínicas. Após diagnóstico pela triagem neonatal, os cuidadores da criança com DF recebem orientações que incluem uso de antibioticoterapia profilática até cinco anos de idade, vacinação ampliada, educação parental para reconhecimento de emergências médicas, além de estratégias profiláticas contra acidente vascular encefálico. O Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) foi criado no ano de 2001, mas apenas em 2014, a pesquisa de hemoglobinopatias passou a ser realizada pela rede de saúde pública do Piauí. Segundo dados oficiais do PNTN, entre 2016 e 2020, a cobertura nacional do teste do pezinho era superior a 81,0%, sendo que mais de 55,0% das crianças realizaram coleta antes de 05 dias de vida. Na mesma época, a mediana nacional de idade da primeira consulta das crianças com DF foi inferior a 60 dias. Os dados piauienses podem impactar negativamente sobre a adesão ao serviço e na sobrevida das crianças afetadas, além dos determinantes sociais em saúde.
ConclusãoObservou-se que os indicadores da triagem neonatal para DF no Piauí relacionados à cobertura populacional, coleta, liberação e primeira consulta especializada estão desalinhados à média nacional. O perfil de hemoglobinas mutantes se assemelha ao descrito na literatura. A experiência piauiense aponta a necessidade de políticas estratégicas de planejamento em saúde a fim de garantir mais agilidade no diagnóstico, redução das perdas de seguimento e dos óbitos.