
Pacientes em quimioterapia estão sujeitos a complicações relacionadas à terapêutica, sendo a neutropenia uma das toxicidades mais graves. Nesse contexto de imunossupressão, a infecção fúngica invasiva se torna um evento de alto risco a ser investigado.
Relato de casoPaciente feminina, 58 anos, com diagnóstico de Leucemia Mieloide Aguda (LMA), com mutações de alto risco (DNMT3A, RUNX1, FLT3 ITD), recebeu tratamento de indução com esquema 3+7 (idarubicina + citarabina) e midostaurina. Após indução, apresentou neutropenia febril, evoluindo com choque séptico por Candida tropicalis, sensível a equinocandinas, por provável foco inicial na região vulvar. Iniciado tratamento com micafungina. Dois dias após apresentou piora clínica e o aparecimento de inúmeras microvesículas com conteúdo claro, eritematopurpúricas, isoladas, raramente confluentes, disseminadas por todo corpo. Realizado biópsia da lesão cutânea e coletado material da secreção vesicular para culturas de fungos e bactérias. Os resultados foram compatíveis com uma infecção fúngica, sendo visto o fungo no fragmento de pele e isolado uma Candida tropicalis na cultura da secreção. Evoluiu com quadro grave, instabilidade clínica, embolia séptica para pulmões e sistema nervoso central. Optou-se por transfusão de granulócitos e troca terapêutica para caspofungina associado anfotericina B por 5 dias, seguido de caspofungina por 20 dias. As lesões cutâneas involuíram progressivamente. Apresentou melhora clínica e hemodinâmica, recebendo alta hospitalar após 4 meses para prosseguimento de terapêutica para LMA.
DiscussãoNo contexto de doenças hematológicas, terapia quimioterápica e a consequente neutropenia, o risco de uma infecção fúngica invasiva é elevado. Segundo Hachem et al., os microrganismos mais comuns nesses cenário são: C.glabrata e C. krusei. A disseminação hematogênica pode atingir diversos órgãos, levando a manifestações cutâneas, oculares, renais, valvares e até neurológicas. As manifestações cutâneas mais relacionadas com a candidemia são descritas como lesões papulosas disseminadas. A apresentação bolhosa foi raramente descrita anteriormente, mas no contexto de imunossupressão deve sempre ser aventada. Mesmo com hemoculturas negativas, o diagnóstico pode ser confirmado a partir da biópsia cutânea e cultura da secreção da vesícula. Suster & Rosen, em relato semelhante, descreveram um quadro de lesões bolhosas, confluentes, hemorrágicas, pós quimioterapia para linfoma de células T mediastinal com hemoculturas negativas e cultura da lesão positiva para com Candida tropicalis. A mortalidade de quadros de choque séptico por candidemia com terapêutica adequada pode chegar a 64%.
ConclusãoA manifestação cutânea bolhosa por Cândida, apesar de rara, é possível, e surge num cenário de agravamento da disseminação hematogênica da infecção, sendo associado a altas taxas de mortalidade.