
As talassemias são doenças hereditárias, autossômicas recessivas, caracterizadas por mutações nos genes que codificam as cadeias globínicas da hemoglobina (Hb), resultando na redução ou ausência da produção dessas cadeias. A Talassemia Beta (Beta-tal), é causada por mutações na cadeia da globina beta (HBB), provocando a redução na síntese desta cadeia, o que pode gerar um aumento na concentração da Hb A2 (> 3,5 %), parâmetro amplamente utilizado no diagnóstico da Beta-tal. Entretanto, a concentração total de Hb pode ser influenciada por diversos fatores, como o tipo de mutação envolvida, o número de alelos comprometidos nesta mutação, assim como alfa-talassemia e a anemia por deficiência de ferro (ADF). Este último pode reduzir a concentração de Hb total e influenciar também a concentração de Hb A2. O objetivo desse estudo foi avaliar o efeito da ADF e sua correlação com a concentração de Hb A2 nos pacientes atendidos pelo Laboratório de Análises Clínicas da UFRJ (LACFar), com e sem o diagnóstico de beta-talassemia. Todos os pacientes realizaram os exames de metabolismo de ferro (LabMax-Plenno, Argentina), hemograma (Pentra ES60 HORIBA®, França), pesquisa molecular (PCR Multiplex; Chong, 2000) para Alfa Talassemia (Alfa-tal) e CLAE/Hb (Variant Express, Biorad, Japão), tendo o trabalho sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUCFF/UFRJ (5.737.364). Os critérios de inclusão utilizados para a análise foram: pacientes atendidos entre os anos de 2009 a 2024, acima de 6 meses de idade, sem diagnóstico de Alfa-tal e hemoglobinas variantes. A análise estatística foi realizada no programa Graph Pad Prism 8 (Graphpad Software, version 5801 Som Diego CA), teste de Man-Whitney. A população avaliada foi composta por 351 indivíduos, o qual foi inicialmente dividido pelo diagnóstico de Beta-tal, segundo a concentração de Hb A2: 301 pacientes com Hb A2 ≤ 3,5 % (Beta-tal negativo) e 50 pacientes com HbA2 > 3,5% (Beta-tal positivo). Em seguida, os dois grupos foram subdivididos de acordo com a ADF, a qual considerou pacientes com carência nutricional de ferro aqueles com índice de saturação de transferrina < 20% em associação a microcitose (VGMp < 80 fL). Enfim, os pacientes foram divididos nos seguintes grupos: I) grupo Beta-tal negativo: 54 indivíduos sem ADF e 110 indivíduos com ADF, os demais 137 indivíduos foram excluídos; e II) para o grupo Beta-tal positivo: 39 pacientes sem ADF e 11 com ADF. Foi observada diferença significativa da concentração de HbA2 entre os pacientes Beta-tal negativo (p < 0,0001) no qual o grupo com ADF apresentou menor concentração de Hb A2 média (2,6%) em comparação ao grupo sem ADF (2,8%). Por outro lado, ao avaliar a influência da ADF nos pacientes com diagnóstico de Beta-tal, não foi observada diferença significativa entre eles (p = 0,9345). Os dados mostram que a ADF impacta na concentração de Hb A2, sendo observada somente na ausência da Beta-tal. Futuras investigações são necessárias para compreender melhor os mecanismos subjacentes a essas observações e das suas implicações clínicas, assim como a ampliação da amostragem de pacientes no grupo de beta-talassêmicos.