
A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma doença autoimune caracterizada clinicamente por tromboses vasculares ou complicações obstétricas. Dado o diagnóstico, a anticoagulação por tempo indeterminado com a varfarina é a terapia de escolha para evitar a recorrência trombótica. O efeito terapêutico da varfarina deve ser monitorado pela manutenção dos valores de INR (International Normalized Ratio) idealmente entre 2 e 3, já que sua efetividade pode ser prejudicada devido a interação com outros medicamentos utilizados para o tratar doenças crônicas coexistentes.
ObjetivoIdentificar as interações medicamentosas entre varfarina e outros medicamentos contínuos utilizados por pacientes com SAF trombótica e avaliar o impacto de tais interações no controle laboratorial da terapia anticoagulante.
MétodosDados clínicos e demográficos foram obtidos através dos prontuários eletrônicos do Hemocentro da UNICAMP. A avaliação da eficácia da varfarina foi determinada através do cálculo do TTR (“time in therapeutic range”) pelo método de Rosendaal, utilizando valores de INR dosados em um período de 6 meses. A identificação de interações medicamentosas foi realizada nas plataformas UpToDate e IBM MICROMEDEX. Foram considerados significativos resultados com p < 0.05.
Resultados74 pacientes com SAF e idade média de 39,9 anos (IQR: 29,2-53,4) foram incluídos, a maioria composta por mulheres (63%) que tiveram ao menos um evento trombótico. Tromboses venosas (62,1%) e espontâneas (62,1%) foram prevalentes e, mesmo com o tratamento anticoagulante, 27,02% dos pacientes apresentaram recidiva. O TTR médio observado na população foi de 48,2 (IQR: 16,5-78,8). Além da SAF, 33,78% dos pacientes apresentavam hipertensão, 6,7% diabetes, 36,5% dislipidemias. 73 % utilizavam outros medicamentos continuamente, sendo que em 54,8% dos casos tais medicamentos apresentaram interação medicamentosa com varfarina. Pelo UptoDate, 21,6% destas foram consideradas importantes e em 22,9% dos casos foi indicado manejo da dose, troca ou suspensão do fármaco para evitar alterações na eficácia do anticoagulante. Nos pacientes sem interação significativa identificada pela base, a mediana do TTR foi 56,3% (IQR 14,8 –80, n = 36), interação moderada 41,8 % (IQR 25,8 –63,1, n = 22) e contraindicada 45,9% (IQR 13,4 –78,1, n = 16; p = 0,83). Já pelo IBM MICROMEDEX, 40,5% das interações foram consideradas importantes e em 21,6 % sugeriu-se algum manejo. Quando não havia interação significativa a mediana de TTR foi 50,0% (IQR 11,4 – 90,0, n = 33), interação moderada 50,0 (IQR 37,7 – 73,3, n = 11) e contraindicada 43,2 (IQR 12,7 – 69,6, n = 30; p = 0,65). Não houve diferença significativa entre o TTR dos pacientes que estavam sujeitos a ter a eficácia da varfarina diminuída pela presença de interações medicamentosas relevantes.
DiscussãoApesar de boa parte dos pacientes incluídos no estudo estar sujeito às alterações na eficácia da varfarina devido a utilização de medicamentos contínuos, não foi observada correlação entre a relevância das interações medicamentosas e a diminuição do TTR. Acreditamos que isso se deva ao monitoramento constante do INR, que possibilita que possíveis variações na concentração sanguínea do anticoagulante sejam corrigidas pelo manejo da dose. Como o TTR médio de nossa população foi baixo, independentemente da presença de interações medicamentosas relevantes, acreditamos que o sucesso da terapêutica da varfarina seja multifatorial.
ConclusãoAs interações medicamentosas entre a varfarina e os medicamentos de uso contínuo utilizados pela nossa população parecem não ter influência na variação do TTR, sendo este parâmetro provavelmente mais afetado por outros fatores como aderência e seguimento do tratamento.