
As anemias diseritropoiéticas congênitas (ADC) são um grupo heterogêneo e raro de anemias hereditárias caracterizadas por diseritropoiese, eritropoiese ineficaz e achados morfológicos típicos. Com base nas características morfológicas, as ADCs são classificadas em tipos I, II, III e IV, porém há casos de pacientes que não se enquadram em um grupo específico. A variedade de fenótipos observados dificulta o diagnóstico e manejo clínico, com escassez de dados na literatura. Relatamos o caso de ADC com morfologia tipo II com padrão de herança atípico (autossômico dominante).
Material e métodoRevisão retrospectiva do prontuário médico.
ResultadoFeminino, 26 anos, branca, apresentando anemia crônica e sinais de hemólise: Hb 8,1 g/dL, VCM 93 fL, RDW 28%, hematoscopia com poiquilocitose, esquizócitos e policromasia, bilirrubina indireta de 2,46 mg/dL, Coombs direto negativo e reticulócitos 87.000/mm3. Exame físico: icterícia discreta, olhos azuis amendoados, distância interorbitária limítrofe 3 cm, baço palpável 6 cm do rebordo costal, hipoplasia das falanges distais dos pés e das mãos e sindactilia. US de abdome: esplenomegalia homogênea e colecistopatia calculosa. Mielograma: acentuada diseritropoiese, com 17% de eritroblastos binucleados, 1% de eritroblastos trinucleados, 5% de eritroblastos com pontes internucleares e 4% de eritroblastos com sinais de cariorrexis, achados compatíveis com ADC tipo II. Submetida a colecistectomia devido colelitíase sintomática e esplenectomia no mesmo tempo cirúrgico, sem aumento significativo da hemoglobina. Atualmente com 35 anos de idade, mantém-se com anemia moderada assintomática, níveis de Hb em torno de 10,5 g/dL, sem necessidade transfusional. Faz uso diário de ácido fólico 5mg. Histórico familiar: Possui uma filha com fenótipo normal e sem anemia. Sua mãe e seu único irmão apresentavam alterações laboratoriais semelhantes e as mesmas malformações em extremidades; ainda, a mãe apresentava hipertelorismo ocular e colecistopatia calculosa. Pai sem alteração do hemograma ou malformações congênitas. Não havia relato de familiares de segundo grau com doença hematológica ou malformações congênitas; seus avós maternos tiveram 11 filhos e somente a mãe da paciente apresentou o fenótipo.
DiscussãoADCs são consequências de um desarranjo no processo de maturação eritroide e devem ser lembradas na presença de anemia crônica com sinais de hemólise e contagem de reticulócitos inadequadamente baixa para o grau de anemia. Trata-se na maioria dos casos de uma doença autossômica recessiva, sendo a ADC tipo II a mais frequente; os tipos III e IV apresentam padrão autossômico dominante e são formas mais raras. A avaliação genética é recomendada em todos os casos, porém, em locais sem acesso a tais exames, a análise das características morfológicas dos eritroblastos na medula óssea ainda é o meio mais utilizado.
ConclusãoDescrevemos o caso de uma mulher jovem com anemia hemolítica crônica e alterações fenotípicas, com morfologia medular compatível com ADC tipo II, porém padrão de herança autossômico dominante, típico de ADC III e IV. Sequenciamento genético seria útil neste caso a fim de identificar a presença de genes que apresentam relação com os diferentes tipos de ACD ou de permitir a descoberta de novos genes associados a formas atípicas da doença.