A Hemovigilância acompanha todas as fases do ciclo do sangue (da captação do doador ao ato transfusional), disponibiliza informações de eventos adversos e busca prevenir sua ocorrência, melhorar a qualidade do serviço e da segurança ao doador/receptor. O presente trabalho objetiva relatar caso de Retrovigilância em receptor com sorologia positiva e a importância da Soroteca nesse contexto.

Mulher, 52 anos, em acompanhamento hematológico regular após cirurgia bariátrica há 10 anos. Apresenta deficiência intelectual e histórico de ter sofrido abuso sexual durante a adolescência. Perdeu o seguimento por um ano, retornando com pancitopenia. Em avaliação de Medula Óssea (MO) não foi constatado hemopatia primária, mas mielotoxicidade exuberante. Nesse período, paciente necessitou de cirurgia para hérnia de disco, com importante sangramento e múltiplas transfusões. Um ano após, apresentou piora súbita da plaquetopenia (7.000/uL) e reavaliação de MO compatível com Purpura Trombocitopênica Imune. Solicitadas sorologias, com resultado positivo para HIV. Paciente negava relações sexuais recentes, sendo aventada possibilidade de soroconversão pós transfusão sanguínea. Acionado Hemocentro do HCFMB para Retrovigilância. Foram 21 hemocomponentes transfundidos (12 bolsas de Concentrados de Hemácias e 9 de Plasma Fresco Congelado) - desses, 13 eram doadores de repetição com sorologias posteriores não reagentes e 8 eram doadores esporádicos, sem doação pós. A primeira transfusão recebida era de 02/07/2021, foi possível resgatar a amostra pré-transfusional da paciente, armazenada na soroteca da Agência Transfusional, para testagem de HIV: quimioluminescência, reagente; teste confirmatório por Imunoblot fortemente positivo (para gp160, gp120, gp41, p24), inferindo presença do vírus HIV-1 antes das transfusões. Foi encerrada a Retrovigilância, descartando soroconversão pós-transfusional, e elucidada etiologia das alterações hematológicas apresentadas pela paciente.

Retrovigilância investiga retrospectivamente bolsas de doações anteriores de doador com viragem sorológica ou pode ser iniciada pela identificação de indivíduo diagnosticado com doença transmissível por transfusão e que tenha antecedente transfusional. Notifica-se à Vigilância Epidemiológica e ao serviço de Hemoterapia responsável pelos hemocomponentes envolvidos. Pela RDC no34 de 2014, amostra de cada doador (soroteca) deve ser mantida no mínimo seis meses e de pacientes por três dias. Testes para o agente infeccioso em investigação podem ser realizados com amostra da soroteca. Orienta-se convocar os doadores que não tenham feito novas doações, para coleta de novos testes diagnósticos. No presente trabalho, pelo Hemocentro do HCFMB resguardar amostras de doadores e pré-transfusionais de receptores por dois anos, foi possível resgatar a amostra da paciente e concluir o processo de Retrovigilância, sem expor os doadores à angustia da convocação e novas testagens.

A transfusão sanguínea é um processo seguro, mas não isento de risco. Cuidado com amostras da soroteca e trabalho conjunto médicos/laboratório, são essenciais no desempenho da Retrovigilância. O caso apresentado mostrou um diferencial da Instituição (maior tempo de armazenamento na soroteca dos pacientes e doadores) que foi aliado a esse processo.