
A anemia hemolítica autoimune (AHAI) consiste na destruição prematura dos eritrócitos devido à autoanticorpos que se ligam às suas membranas. Pode ser subdividida em dois tipos principais com base na temperatura de reatividade dos anticorpos: quente e frio. Quanto aos achados clínicos, estes são variados e podem oscilar de leves a graves dependendo dos níveis de hemoglobina, da presença de comorbidades e do grau de atividade da doença. O teste de Coombs direto é essencial para confirmar a etiologia autoimune da anemia e o monitoramento contínuo inclui também a avaliação dos níveis de lactato desidrogenase (LDH).
Apresentação do casoPaciente do sexo feminino, 34 anos, com histórico prévio de pênfigo vulgar não tratado, leiomioma uterino com metrorragia recorrente e osteoporose tratada com cálcio, vitamina D e denosumabe, além de cirurgia bariátrica há cerca de um ano com terapia com ferro intravenoso até então. Apresentava astenia e exames prévios apresentavam anemia moderada de caráter microcítico e hipocrômico. Novos exames laboratoriais indicaram anemia moderada (hemoglobina 9,1 g/dL) com reticulocitose (11,7%), haptoglobina inferior a 8, aumento de LDH (440 U/L), bilirrubina indireta no limite superior de normalidade, ferro sérico 92 mcg/dL e ferritina 209 ng/mL, sugerindo anemia hemolítica. Foi realizada imunofenotipagem para hemoglobinúria paroxística noturna, com resultado negativo. O teste de Coombs direto também foi negativo e se manteve negativo em todos os laboratórios mensais posteriores realizados. Eletroforese de proteínas revelou hipogamaglobulinemia com curva de fragilidade osmótica negativa. Foi iniciada prednisona em dose imunossupressora, azatioprina 50 mg/dia e ácido fólico 10 mg/dia. Cerca de 4 meses depois, houve melhora para níveis normais de hemoglobina, reticulócitos, LDH, haptoglobina e bilirrubina indireta, porém manteve ferro sérico baixo e saturação de transferrina inferior a 6%. Devido à resposta favorável à corticoterapia, reduziu-se a prednisona para 10 mg e a azatioprina para administração em dias alternados, visando a atenuar a vertigem secundária à segunda medicação. Além da administração de ferro intravenoso para correção da ferropenia associada, foi mantida suplementação diária de ácido fólico.
Discussão e conclusãoEmbora a anemia hemolítica não seja uma condição rara, a falta de evidências no teste de Coombs direto em um cenário sugestivo de anemia hemolítica autoimune é extremamente incomum. No entanto, marcadores de hemólise identificados nos exames laboratoriais juntamente com a exclusão de possíveis causas hereditárias podem corroborar com essa hipótese. Além disso, a melhora clínica observada com o uso de corticoterapia em dose imunossupressora, conforme preconizado na literatura, reforça essa associação. Este caso enfatiza a importância de relatar apresentações atípicas de doenças bem estabelecidas, especialmente quando há uma resposta positiva ao tratamento padrão. Além disso, este relato enfatiza a necessidade de considerar a AHAI ao diagnóstico mesmo na presença de resultados negativos no teste de Coombs direto.