As crises vaso-oclusivas são consequência da fisiopatologia subjacente da anemia falciforme e a presente pesquisa visou analisar as alterações de exames laboratoriais hematológicos e bioquímicos de crianças com anemia falciforme nestes eventos.

Foram analisados exames laboratoriais de pacientes com anemia falciforme (HbSS) menores de 18 anos, que necessitaram de Pronto Atendimento (PA) no período de 2016 a 2022. Resultados de exames coletados durante consulta de rotina e em momentos de crise vaso-oclusiva foram obtidos por meio de prontuários eletrônicos. Foram avaliados dados hematimétricos e bioquímicos como dosagem de bilirrubinas e Desidrogenase Lática (DHL), Transaminase Oxalacética (TGO), Transaminase Pirúvica (TGP), ureia e creatinina. Para inclusão no estudo, o intervalo máximo entre as consultas não poderia ser superior a cinco meses.

Foi avaliada uma amostra de 31 pacientes, dos quais 61,3% eram do sexo masculino, com um total de 133 episódios de atendimento em PA. Em uma análise geral, houve uma redução significativa durante as crises do número de hemácias, leucócitos totais, neutrófilos, eosinófilos, monócitos, plaquetas e níveis de Hemoblobina (Hb) e Hematócrito (Hct), assim como um aumento nos níveis de DHL, TGO, bilirrubina direta e indireta e creatinina (p < 0,05 em todas as análises), comparado aos valores encontrados nas consultas de rotina. Quando subdivididos pelo Uso de Hidroxiureia (HU), pacientes em uso da medicação apresentaram maior número de hemácias e níveis mais altos de Hb e Hct durante consulta de rotina, enquanto aqueles que não fazem uso apresentam maior número de leucócitos totais, eosinófilos e linfócitos. Já nos momentos de crise, pacientes sem medicação apresentaram níveis de Hb e Hct significativamente mais baixos, amplitude de distribuição dos eritrócitos (RDW) maior e maior quantidade de monócitos (p < 0,05 em todas as análises). Os demais parâmetros analisados não diferiram significativamente. Comparando variações no mesmo paciente antes e durante a crise, foi possível observar que a HCM não variou em pacientes em uso da HU (29,77 vs. 29,61; p = 0,425), mas foi ligeiramente menor durante a crise naqueles que não faziam uso (29,99 vs. 28,76; p = 0,067). Além disso, os níveis de DHL aumentaram significativamente nestes últimos (534,0 vs. 635,0; p = 0,017), o que não ocorreu nos pacientes em uso de HU (629,0 vs. 630,5; p = 0,238).

Enquanto alguns trabalhos na literatura relatam alterações na contagem total e diferencial de leucócitos, hemácias e reticulócitos, outros afirmam que alguns destes parâmetros não são preditivos de admissão em pronto-atendimento. Entretanto, a diminuição dos níveis de hemoblobina e da contagem de plaquetas durante a crise já foi bastante documentada. Na presente pesquisa ficou evidente como o organismo do paciente com anemia falciforme sofre alterações laboratoriais hematimétricas e bioquímicas durante os eventos agudos. Mais ainda, foi possível visualisar a importância da hidroxiureia na manutenção de melhores quadros laboratoriais tanto durante quanto fora de crise.

Durante crises vaso-oclusivas os pacientes apresentam alterações significativas nas séries vermelha, leucocitária e plaquetária, bem como nos níveis de DHL, TGO, bilirrubina direta e indireta e creatinina. O uso de HI relacionou-se a melhores quadros laboratoriais nos pacientes aqui avaliados, tanto durante, quanto fora da crise vaso-oclusiva.