HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosTrês anos após a introdução do Emicizumabe no tratamento da hemofilia no Brasil, observamos importantes transformações na vida dos pacientes e suas famílias. Este relato busca apresentar, sob a ótica da Psicologia, os impactos subjetivos e relacionais dessa mudança terapêutica, a partir da prática clínica em dois serviços de referência no tratamento de pessoas com hemofilia e suas famílias.
Descrição do casoO início do uso do Emicizumabe trouxe evidentes ganhos biológicos, com a redução significativa dos sangramentos, dos comprometimentos articulares, das dores e da restrição de movimentos. No entanto, como nos ensina a Psicologia, o paciente não é apenas um corpo biológico, mas um sujeito inserido em contextos simbólicos, sócio históricos e afetivos. Mesmo após a remissão clínica, a hemofilia continua sendo sentida e ressignificada de formas diversas. Durante o acompanhamento, tornou-se claro que a atuação da Psicologia é fundamental para que os benefícios do tratamento se concretizem em uma real melhora na qualidade de vida. Isso envolve escuta atenta, acolhimento das experiências emocionais, elaboração de vivências passadas (medos, por exemplo), promoção da autonomia e fortalecimento da compreensão da doença e do novo tratamento. Na prática clínica, os relatos vão além dos sintomas físicos. A hemofilia ainda é vivida na pele e na alma. O histórico de limitações deixa marcas psíquicas que não desaparecem com o fim dos sangramentos. Crianças, mesmo sem dor, enfrentam dificuldades de socialização, restrições e, às vezes, situações de isolamento e bullying. Adolescentes e adultos lidam com questões de autoestima, vida afetiva e inserção profissional, decorrentes das experiências vividas ao longo do tempo. As famílias também sofrem impactos importantes. Vivem o diagnóstico, os cuidados intensivos e moldam suas rotinas em função da hemofilia. O Emicizumabe altera esse cenário: reduz as idas ao hemocentro, muda a via de administração (subcutânea, menos invasiva) e flexibiliza condutas protetoras. Embora positivas, essas mudanças exigem uma reorganização emocional do paciente e de sua família, que precisa revisar suas atividades e relações sociofamiliares. O novo tratamento traz liberdade e esperança, mas também desafios. Como lidar com a autonomia recém-conquistada, e a responsabilidade que vem com ela? Como se relacionar com um corpo agora mais capaz? Como reajustar a autoimagem, equalizando novas possibilidades e antigos medos? Como conviver com as memórias de dor e limitação? Pacientes e familiares são convocados a ressignificar o lugar da doença e redescobrir sua identidade, para além da hemofilia. A Psicologia tem papel essencial nesse percurso, apoiando o processo de adaptação do paciente, acompanhando a transição da família de uma lógica de proteção para outra de maior independência, e promovendo a elaboração dos sentimentos ambivalentes diante das mudanças.
ConclusãoA experiência clínica com o Emicizumabe mostra que, embora os ganhos biológicos sejam valiosos, não bastam por si só. Toda mudança, ainda que positiva, demanda elaboração psíquica. Sem esse processo, o potencial transformador do tratamento pode ser muito reduzido. Assim, é imprescindível que a Psicologia esteja integrada ao cuidado multidisciplinar em hemofilia, promovendo uma abordagem ampliada da saúde – que considere não apenas o corpo que sangra (ou não sangra mais), mas o sujeito que sente, pensa e se transforma.




