HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA microangiopatia trombótica (MAT) é uma complicação rara e potencialmente fatal do tacrolimo, inibidor da calcineurina amplamente utilizado em transplantes sólidos e no transplante de células hematopoiéticas (TCH). Devido à rápida progressão, o diagnóstico precoce é essencial para reduzir a morbimortalidade.
Relato de casoPaciente masculino, 19 anos, submetido a TCH alogênico não aparentado idêntico por anemia aplásica grave (AAG) associada a clone de hemoglobinúria paroxística noturna (HPN). Em seguimento ambulatorial apresentou diagnóstico de reativação de citomegalovírus (CMV), com necessidade de uso de ganciclovir. Foi internado por febre e vômitos com duas semanas de evolução. A endoscopia digestiva alta revelou pangastrite erosiva intensa e o PCR para CMV foi indetectável, sugerindo possível doença do enxerto contra hospedeiro (DECH) de trato gastrointestinal, sendo iniciado corticoterapia endovenosa. Além disso, diante da presença de vômitos e da indisponibilidade de ciclosporina endovenosa, foi trocado o imunossupressor para tacrolimo. Após um dia, apresentou precordialgia e elevação de troponina, seguidos por confusão mental, injúria renal aguda, plaquetopenia, anemia e elevado número de esquizócitos em sangue periférico. Realizada tomografia de crânio por deterioração neurológica com achado de isquemia extensa, incluindo tronco encefálico, tálamo e núcleos da base. A suspensão do tacrolimo resultou em melhora das citopenias, mas houve progressão das disfunções orgânicas, com necessidade de suporte avançado de vida em terapia intensiva e posterior óbito.
ConclusãoA fisiopatologia da MAT induzida por tacrolimo não é totalmente esclarecida, mas se acredita que envolva lesão endotelial direta. Como em outras formas de MAT, ocorre formação de microtrombos plaquetários, gerando anemia hemolítica microangiopática, plaquetopenia e isquemia tecidual. As manifestações clínicas variam conforme o território vascular afetado e podem incluir hipertensão, insuficiência renal, confusão mental, convulsões e hipoxemia. O diagnóstico é clínico, mas ainda não há critérios amplamente estabelecidos. Modelos históricos incluem presença de > 4–5% de esquizócitos, elevação de DHL e disfunção renal ou neurológica. No entanto, destaca-se que a disfunção orgânica costuma ser tardia, e aguardar esses sinais pode atrasar o diagnóstico. Assim, novos critérios têm valorizado alterações precoces. O tratamento baseia-se na suspensão imediata do inibidor de calcineurina e possível substituição por outro imunossupressor, considerando que DECH pode agravar o quadro de MAT. O papel da plasmaférese na MAT pós-transplante é controverso, já que os níveis de ADAMTS13 geralmente são normais ou levemente reduzidos. Estudos sugerem maior benefício se iniciada precocemente. O eculizumabe é uma alternativa de uso crescente, com evidências de melhora na contagem de plaquetas e redução da disfunção orgânica, embora o acesso e o custo sejam limitantes. O uso de rituximabe, bem estabelecido na púrpura trombocitopênica trombótica primária, tem sua indicação na MAT pós-TCH apoiada apenas por relatos de casos. O caso descrito ilustra a importância da vigilância clínica rigorosa de sinais/sintomas de MAT em pacientes pós-TCH. A rápida progressão do quadro reforça a necessidade de suspeição precoce e intervenção imediata.




