A hemofilia é a deficiência do fator de coagulação VIII (hemofilia A) e IX (hemofilia B). A característica mais comum da doença é a presença de sangramentos espontâneos, principalmente nas articulações. Esses sangramentos levam à artropatia, resultando em dor crônica, imobilidade e piora da qualidade de vida. O fator de coagulação continua sendo o agente terapêutico mais comum no tratamento da hemofilia. A profilaxia é recomendada para evitar hemorragias e preservar a saúde articular. Devido à farmacocinética variável dos fatores de coagulação, a prevenção de hemorragias pode não ser efetiva. Os melhores resultados da profilaxia estão relacionados com a elevada adesão ao tratamento, o que mantém o potencial hemostático do fator de coagulação administrado.

O nosso objetivo foi identificar os determinantes da adesão à profilaxia com fatores de coagulação em Pessoas com Hemofilia (PcH).

Realizou-se um estudo transversal no Ambulatório de Coagulopatias do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (HEMOCE), localizado em Fortaleza/Brasil, entre junho e outubro/2022. Foram incluídas as PcH A ou B sem inibidor com idade ≥14 anos que tinham prescrição de profilaxia com fatores de coagulação. A adesão ao tratamento foi medida pelo questionário Validated Hemophilia Regimen Treatment Adherence Scale-Prophylaxis (VERITAS-Pro), traduzido e validado para o português brasileiro. Dados demográficos, clínicos e terapêuticos foram coletados dos prontuários e por entrevista. A Qualidade de Vida (QdV) relacionada à saúde foi medida pelo questionário genérico Short Form 36 questions (SF-36). Variáveis contínuas foram expressas em mediana (Intervalo Interquartil [IIQ]) e variáveis categóricas foram expressas em número absoluto (porcentagem).

Entre as 78 PcH, a idade à inclusão foram 30,0 anos (20,8‒39,0), 70 (90%) PcH tinham hemofilia grave, 46 (59%) relataram doença articular e 67 (86%) faziam infusão 3×/semana. A pontuação SF-36 total foram 70,3 (57,3‒83,3), sendo menor para “Saúde geral” e “Dor corporal”, e maior para “Limitações funcionais física” e “Limitações funcionais emocionais”. A pontuação VERITAS-Pro foram 44,0 (35,0‒50,0) e 70 (90%) PcH eram aderentes. O domínio “Lembrar” teve o melhor desempenho (73 [94%] PcH aderentes) e o domínio “Comunicação” teve o pior desempenho (41 [53%] PcH aderentes). A adesão à profilaxia foi associada à hemofilia A (p = 0,012) e infusões > 2×/semana (p = 0,008), mas não com SF-36. A adesão à profilaxia teve correlação inversa com a duração da profilaxia (p=0,005) e direta com saúde mental (p = 0,007).

Observamos uma elevada prevalência de adesão à profilaxia com fatores de coagulação. Os fatores determinantes da adesão foram ter hemofilia A e fazer infusões >2×/semana, além de ter boa saúde mental. Curiosamente, estar em profilaxia há menos tempo, mas não a idade mais jovem, foi associado à adesão à profilaxia com fator de coagulação.