Relato de caso: E.H.T, 53 anos, masculino, procurou atendimento por apresentar lesões cutâneas purpúricas dolorosas, algumas com área central evoluindo para necrose, acometendo membros, com predomínio distal, e em face, de início recente. Ao hemograma apresentava leucocitose com neutrofilia importante (97600/mm3 leucócitos totais e 82960/mm3 neutrófilos), além de anemia e plaquetopenia, investigação de sorologias e doenças autoimunes negativas. Em exames de imagem, evidenciaram-se lesões osteolíticas difusas nos corpos vertebrais lombares e ossos da bacia. Após esses dados, procedeu-se com solicitação de imunofixação e proteinograma, além da realização de biópsia de medula óssea. Medulograma com moderada hipercelularidade e hematopoiese normal parcialmente substituída por infiltração de células linfoplasmocitoides com aspecto neoplásico. Estudo imunohistoquímico compatível com mieloma de células plasmocitárias com população estimada em 70%. O proteinograma evidenciava pico monoclonal gama 3 g/dL e a imunofixação com componente monoclonal IgG/kappa. Realizou-se também biópsia cutânea, com pele exibindo infiltrado inflamatório perivascular em derme superficial constituído de linfócitos, neutrófilos e eosinófilos, leucocitoclasia e presença de vasculite e trombose de pequenos vasos, compatível com vasculite leucocitoclástica (VL). Tendo em vista o diagnóstico de gamopatia monoclonal, pensou-se em associação com crioglobulinemia. Foi então solicitada dosagem de crioglobulinas que vieram negativas em dois momentos. Iniciou-se então tratamento para doença de base com ciclofosfamida, dexametasona e bortezomibe, com melhora dos parâmetros laboratoriais e cutâneos. Concluiu-se o caso como vasculite leucocitoclástica secundária a Mieloma Múltiplo (MM). Discussão: A vasculite leucocitoclástica é uma desordem inflamatória sistêmica envolvendo principalmente pequenos vasos e é caracterizada por inflamação segmentar, angiocêntrica, neutrofílica, dano celular endotelial e necrose fibrinóide, sendo caracterizada clinicamente por púrpura palpável que ocorre mais comumente nas extremidades inferiores. A apresentação da vasculite cutânea pode ser um indício de vasculite secundária a causas sistêmicas. Dentre as causas sistêmicas, pode-se citar as hepatites B e C, o lúpus eritematoso sistêmico, doenças inflamatórias intestinais, artrite reumatóide, crioglobulinemia, púrpura de Henoch-Schönlein e menos frequentemente malignidade, como no caso em questão. As neoplasias representem uma associação relativamente rara com vasculites cutâneas e as lesões cutâneas podem preceder o quadro ou ocorrer concomitantemente com o início da doença. A associação de MM com vasculite paraneoplásica cutânea é muito rara. Apenas cerca de 11 casos de vasculite paraneoplásica associada a gamopatia monoclonal foram relatados até o momento. A vasculite cutânea relacionada ao mieloma está associada principalmente ao tipo IgA, podendo também ocorrer com o tipo IgG, como descrito neste relato. Conclusão: Conforme citado anteriormente, embora a ocorrência de VL secundária ao MM seja extremamente rara, esses sintomas podem ser casualmente relacionados às gamopatias.
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Vol. 42. Núm. S2.
Páginas 281 (novembro 2020)
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