Relatar um caso de paciente com Leucemia Linfocítica Aguda (LLA) recidivada após o Transplante de Medula Óssea (TMO) com resposta satisfatória à terapia com inibidor de BCL-2 (Venetoclax).
Materiais e métodosRelato de caso.
ResultadosPaciente do sexo feminino, 13 anos, com diagnóstico de LLA em dezembro de 2020. Ao diagnóstico, apresentava dor em quadril à esquerda associada a lesão osteolítica na bacia, sintomas neurológicos (paresia de membros inferiores, “marcha anserina”, perda de controle de esfíncter urinário), perda ponderal de cerca de 2kg e hipercalcemia. Recebeu tratamento segundo protocolo BFM 2009, permanecendo com Doença Residual Mínima Positiva (DRM) no D78 de quimioterapia (0,8%). O tratamento foi modificado para blinatumomab, tendo a paciente recebido dois ciclos, com remissão fugaz após o primeiro e DRM positiva após término de segundo ciclo. Realizado TMO haploidêntico aparentado (irmão) em outubro de 2021, com enxertia neutrofílica no D+12, evoluindo com recaída precoce no D+60 pós TMO e hipercalcemia grau IV (CaT = 14,9 mg/dL) embora a avalição de quimerismo do doador estivesse completa. A paciente recebeu mais um ciclo de blinatumomab seguida de infusão de linfócitos. Realizada uma nova avaliação medular cujo resultado evidenciou infiltração medular pela LLA por exame de anátomo patológico e imunohistoquímica em biopsia óssea uma vez que o mielograma encontrava-se hipocelular e em remissão. No resultado da imunohistoquímica foi encontrada a expressão do BCL2 e PAX5. Também foram solicitados exames de biologia molecular em amostra da medula óssea. Todas as análises cariotípicas da medula óssea mostraram 46XY em todas as células. Diante da história clínica de lesão osteolítica, hipercalcemia e doença grave refratária, levantou-se a hipótese da presença da mutação no gene TCF3 e assim instituído empiricamente o tratamento combinado de venotoclax com blinatumomab. A paciente teve evolução satisfatória, encontra-se em remissão hematológica após o primeiro ciclo de 28 dias e aguarda um segundo transplante de medula de doador não aparentado totalmente compatível.
DiscussãoA paciente apresentou ao diagnóstico e durante recidiva hipercalcemia, lesões osteolíticas e refratariedade à quimioterapia instituída, sugerindo alteração citogenética específica t(17;19) ‒ TCF3-HLF [t(17;19)(q21-q22;p13)], que gera o fator de transcrição de fusão E2A-HLF. Tal mutação é uma rara translocação presente em menos de 1% dos casos de LLA infantil, com morte após 2 anos de diagnóstico, e está associada com hipercalcemia, anormalidades adquiridas da coagulação e resposta terapêutica extremamente ruim à terapias convencionais, como a citarabina e vincristina. Pacientes com esta mutação apresentam maiores taxas de mutação PAX 5, além de mutação BCL-2 (ambas presentes em imunohistoquímica da paciente), o que faz com que pacientes com a t(17;19) tenham melhor resposta à terapia alvo com venetoclax (inibidor de BCL-2). A adição de outras quimioterapias pode apresentar efeito sinérgico em alguns pacientes.
ConclusãoDiante de casos de LLA refratária ou recidivada, a investigação de mutações específicas relacionadas, como Ph-like e TCF3, presentes em até 20% dos casos refratários, é essencial, visto que hoje estão disponíveis terapias alvo, capazes de induzir remissão medular nesses pacientes e aumentar a taxa de sobrevida dos mesmos.