
Eosinofilia caracteriza-se por >500 células/μL no sangue periférico e inclui diversos diagnósticos: causas reativas (drogas, infecções, sobretudo parasitárias, e alergias) ou causas clonais. A síndrome hipereosinofílica (SHE) refere-se à eosinofilia severa (>1.5 × 109/L) e persistente (>6 meses), com acometimento de órgãos e etiologia desconhecida. Raramente é relacionada a doença mielo/linfoproliferativa. Objetiva-se relatar um caso raro de síndrome hipereosinofílica como manifestação clínica de leucemia linfoide aguda (LLA).
Relato de casoMulher, 15 anos, com astenia, febre, petéquias em tronco e membros superiores, associado à parestesia em membro superior esquerdo há 5 dias. Negava comorbidades ou uso de medicações. Hemograma evidenciava leucocitose de 75.200/μL, as custas de eosinófilos 85% (63.920/μL), segmentados 8% (6.016/μL), plaquetas 78.000μL e hemoglobina 10g/dL. Exame físico: descorada, discreta hepatomegalia, baço não palpável, linfonodos axilares bilateralmente e hemiplegia em dimidio esquerdo. Tomografia de crânio: áreas hipodensas isoladas na substância branca frontal bilateralmente. Evoluiu com dispneia e dessaturação, à tomografia de tórax foi evidenciado áreas de vidro fosco difusas e espessamento liso dos septos interlobulares, com moderado derrame pleural bilateral, sem alteração de provas infecciosas, sendo aventada hipótese de pneumonite eosinofílica. Iniciado pulsoterapia com corticoide, havendo melhora clinica posterior. Realizada biópsia de medula óssea. Mielograma com 20% de blastos com características linfoide e líquor com 9% de células neoplásicas. Imunofenotipagem: 9,03% de células de tamanho pequeno, baixa complexidade interna, com hipoexpressão do antígeno CD45 e positivos CD19, CD10, CD34, CD33, CD38, CD13, MPO e IGMC; também demonstrado hipercelularidade eosinofílica. Dados compatíveis com diagnóstico de LLA associada a eosinofilia. Iniciado quimioterapia, aguardando citogenética e biópsia medular até a submissão deste trabalho.
DiscussãoA prevalência da SHE é 0,4 casos/1.000.000, sendo a minoria anormalidades genéticas clonais. A classificação de doenças eosinofilicas da Organização Mundial de Saúde categoriza neoplasias mieloides/linfoides com eosinofilia e rearranjo de PDGFRA, PDGFRB ou FGFR1 ou com PCM1-JAK2. O diagnóstico inclui imunofenotipagem da linhagem leucêmica e exige demonstração das fusões de genes específicos, que levam à superexpressão de tirosina quinase aberrante ou receptor de citocina. O rearranjo do PDGFRA é o mais frequente, sendo importante sua definição, pois mesmo após a transição para fase blástica podem permanecer sensíveis à inibição da tirosina quinase. Considerando que danos em órgãos podem ocorrer independente da etiologia, deve-se abordar imediatamente a SHE. Seus sintomas incluem fraqueza, fadiga, tosse, dispneia, mialgia, angioedema e febre. Todos os sistemas orgânicos são suscetiveis: à longo prazo, é mais comum o envolvimento dermatológico, pulmonar e gastrointestinal; a insuficiência cardíaca progressiva é prototípica de lesão por infiltração de eosinófilos no tecido e liberação de mediadores tóxicos. O tratamento da SHE baseia-se no corticoide, que reduz rapidamente a contagem de eosinófilos.
ConclusãoO caso destaca-se pela SHE como ponto de partida na investigação da LLA, ressaltando a importância de pesquisar a variante eosinofílica, por suas complicações a longo prazo em diversos órgãos, e sobretudo pela possibilidade de tratamento específico.