
A síndrome de persistência hereditária de hemoglobina fetal (HPFH) se refere a um grupo de variantes genéticas dentro do cluster de genes da beta globina humana, causando aumento da expressão de HBG (genes da gama globina) e aumento dos valores de Hb F (alfa2gama2). Indivíduos heterozigotos e até mesmo homozigotos para variantes de HPFH são geralmente assintomáticos, apresentando em alguns casos anemia leve e frequentemente microcitose. A PHHF funciona como um modulador de gravidade em várias hemoglobinopatias, razão pela qual torna-se importante conhecer essa entidade.
Relato de casoPaciente masculino JPSR, 10 anos, com teste do pezinho evidenciando apenas hemoglobina fetal, sendo iniciada investigação do caso desde o primeiro mês de vida. Foi realizada eletroforese de Hb por cromatografia de alta performance com 1 ano de idade, que evidenciou valor de HbF de 100 por cento. Além disso, foi solicitada eletroforese dos pais, o que demonstrou persistência de HbF em torno de 30% em ambos. Durante o acompanhamento, foram observadas eletroforeses de Hb com níveis variáveis de hemoglobina A (3 a 10,2%), porém hemoglobina A2 ausente em todos os exames. O paciente realizou também ecocardiograma e USG de abdome total, sem anormalidades. Até o presente momento (10 anos), segue sem intercorrências clínicas e mantendo índices hematimétricos estáveis, com uma discreta microcitose no hemograma. Devido à indisponibilidade no serviço, não foi realizado teste genético.
DiscussãoA HPFH acontece devido à presença de variantes no gene BCL11A, no cromossomo 11, o qual se manifesta como um interruptor molecular na transição da hemoglobina fetal para a hemoglobina adulta. Em condições normais, ocorre uma queda da Hb F tão rápida que, aos seis meses de vida, menos de 10% dessa hemoglobina é detectável no lactente, até que se atinjam os níveis normais de Hb F no adulto (< 1%). Os valores mais altos de Hb F são vistos em talassemia beta grave dependente transfusional ou HPFH com deleção genética, na qual a Hb F pode variar de 30% em indivíduos heterozigotos a 100% em indivíduos homozigotos, como no caso supracitado, no qual a eletroforese de hemoglobina por HPLC evidenciou valores de HbF variando de 89,8 a 100 por cento. Existem poucos trabalhos a respeito da frequência da HPFH na literatura internacional. No Brasil, dois estudos prévios evidenciaram prevalência de 0,1% em duas cidades do estado de São Paulo. A HPFH delecional é devido à deleção dos genes que codificam a delta globina e a beta globina, preservando um ou ambos os genes da gama globina, enquanto que a HPFH não delecional é devido a mutações pontuais ou outras pequenas alterações nos promotores de HBG. Em ambas as formas, a Hb F está geralmente distribuída pancelularmente. Essa síndrome consiste em uma condição clínica benigna caracterizada por índices hematimétricos normais ou discretamente alterados. Apesar de altos índices de HbF serem comuns na esferocitose hereditária, na anemia falciforme e em leucemias, no caso em questão, não há outras comorbidades associadas e o paciente evolui bem clinicamente.
ConclusãoEm virtude da raridade da HPFH e sua correlação com a menor gravidade de várias hemoglobinopatias, é importante alertar sobre essa possibilidade diagnóstica, bem como realizar o estudo dos variados genotipos e fenotipos de apresentacao. Apesar de ser uma condicao rara na pratica clinica, é necessário conhecer o seu carater benigno e de bom prognóstico.